Reportagem: Alvalade Arise 2024 – 04/05/24
O Festival de Metal em Alvalade do Sado, revelou-se no ano
passado uma das maiores surpresas positivas em termos de festivais. Pelo que a
minha expectativa era bastante elevada. E não é que, a edição de 2024 superou a
do ano passado!
O meu texto vai cingir-se apenas aquilo que pude assistir, e
peço desde já desculpa às bandas que não consegui assistir. Nomeadamente aos:
Mercic, Unexist, Suspeitos do Costume, Morbid Death, Trinta & Um e aos Tiborna.
Ainda assim acredito que a qualidade se tenha mantido nas bandas que não pude
assistir. Aproveito para dizer que há uma aposta forte e muito bem conseguida,
em passar de um dia apenas, para dois em termos de festival.
Crab
Monsters e seu Hardcore estonteante
A primeira banda que pude assistir foram os Crab Monsters.
Apenas 10 segundos e percebeu-se logo que esta malta vinha cheia de vontade de
destilar o seu Hardcore por todo o Alentejo – e assim o fizeram. Apesar do Sol
e calor existente a esta hora o seu ânimo não foi menor, e os curiosos e/ou
corajosos já me aproximavam do palco (com sede de Hardcore). O nível de critica
social das suas letras só é superada pela energia exacerbada que transmitem no
palco – invejável no mínimo.
VIL e a sua sonoridade alternativa
Os VIL apresentam-se como um grande mistério na minha
opinião. Não conhecendo a banda, ao vê-los a subir o palco e olhando para a
estética do vocalista pensei que se tratasse de uma banda de Black ou Blackened
Death Metal. Para surpresa minha apresentam-se com um som que mescla vários
géneros (e bem). Não consegui deixar de ouvir nas entrelinhas muito Sepultura,
em particular o mítico álbum ‘Roots’. Fosse pelos poderosos grooves que nos
fazem abanar a cabeça descontroladamente, fossem pelos hooks aguçados que nos
dão vontade de continuar a abraçar esta deslumbrante prestação. Senti Groove e Nu
Metal, mas alguns veios de Death e Thrash a perfurarem a carapaça desta
sonoridade, que pisa os solos do alternativo com uma pinta incrível. A energia
é fenomenal e contagiante, adequada a festivais. Algo que quero salientar
porque achei o design mesmo muito bem conseguido, é o logo da banda – se não
conhecerem vão checkar.
Rageful e o Death Metal está mais vivo do que nunca
Se há bandas que mostram sempre o seu valor são seguramente
os Rageful! A banda veio cheia de vontade em mostrar o seu mais recente
trabalho, lançado no dia 4 de abril, ‘Misery’. São riffs rasgados, são
tremolos, são blast beats e são linhas de baixo contrastadas. É energia e
vontade de conquistar o público de Alvalade do Sado. Pouco depois da atuação
começar, e já se via uma enorme congregação em torno do palco. Muita interação
com o público, ao ponto do vocalista Leonardo sair do palco e convencer um
audiente a largar a cadeira (onde se mantinha sentado, a comer enquanto
assistia) e ir para o mosh pit (que aceitou o convite com um sorriso nos lábios).
Os solos são do mais belo que existe no Death Metal português (e no Death Metal no geral), e só são ultrapassados
pela bastante incisiva consciência social, patente em quase todos os temas. Foram canções mais antigas, e foram temas mais recentes, fosse como fosse a sua
passagem por Alvalade Arise deixou marcas e adquiriu novos fãs muito
provavelmente.
Besta a mostrarem como se faz Grindcore
‘Alvalade…Arise...Bem-vindos ao Ritual da Besta!’ e começava assim a
celebração mais frenética possível. Blast beats, riffs arrojados e claro a energia
intensa – é isto que é Grindcore e Grindcore em Portugal tem um sinónimo que é
Besta. São os mestres nesta arte musical. As letras projectam aquilo que são
problemas atuais e intemporais, e as linhas de guitarra, em particular do novo
álbum (que demonstra uma evolução exponencial em termos de composição), são no mínimo
sublimes. Eu não consegui contar, ainda assim em pouco menos de uma hora devem ter
tocado uns 20 temas (fácil), sempre com uma vontade de espalhar a sua
sonoridade rica e afiada. Até tempo para covers dos extraordinários Napalm Death houve.
WEB e um Thrash que não é deste mundo
Os WEB ao subirem para o palco deixam logo uma pista ao mais
atentos – guitarras de 7 cordas… isto cheira a Prog. E a verdade é que o seu
Thrash Metal é vertiginoso e virtuoso nas mãos deste quarteto do Porto. Muita atitude
e energia a la Thrash contudo com umas linhas de guitarra tiradas de outro planeta
(pura técnica e som poético). Houve músicas que poderei estar enganado, todavia arriscaria a dizer que se aventuram em águas turbulentas de compassos
complexos, deixando-nos com aquela sensação ‘odd’ só que simultaneamente relaxante
(os fãs de Prog saberão o sentimento que tento transmitir). Ahhh e claro os
solos de guitarra são do mais exótico e belo que se pode ouvir em todo o
festival. Senti uma sonoridade que me fez lembrar Vektor ou Coroner (bandas de
Progressive Thrash Metal). Sempre a puxar pelo público de Alvalade, e estes
sempre prontos para ‘mais uma’.
Process of Guilt e um ritual místico
Reis do Death/Doom nacional trouxeram a sua energia introspetiva
para pôr Alvalade a refletir ao seu som hipnótico. Som distintamente alicerçado
no Doom Metal mas com variantes do Sludge, não tanto pela atitude, porém pelo
som carregado de feedback que nos faz viajar pelas terras da perdição. Muito
Shoegaze mesclado com a sua identidade Doom, e o resultado é uma parede de som
arrastada e fustigada de sons variados, que nos fazem integrar esta experiência
coletiva que é o headbang enquanto se mergulha pela sua sonoridade multicamada.
É uma experiência por si só assistir aos Processo of Guilt ao vivo, é uma
viagem sonora, é uma vivência única. É impossível ficar indiferente, e Alvalade
ascendeu em uníssono após esta brilhante prestação.
Bizarra Locomotiva e a energia mais pura
Os Bizarra Locomotiva dispensam apresentações. Todos os
conhecem, e houve quem viesse de propósito ao Alvalade Arise para os ver. A
energia do quarteto é tão contagiante que os fãs entram na mesma frequência da
banda, e só desconectam quando o concerto termina. Rui Sidónio, com uma energia assustadora, várias vezes se mistura entre o público enquanto continua a sua atuação (é
formidável), e dá vontade de cantar com ele (o que foi várias vezes permitido). Os
fãs de Bizarra são talvez os mais fiéis, dos que estavam presentes no Fest,
pois sabem todas as letras e deixas da banda, e muitas vezes ficaram com o
micro e deram continuidade, evidenciando a sua dedicação à banda. Foi a atuação
mais longa do Festival, contudo passou tão rápido que muitos nem se aperceberam
que chovera durantes uns temas da banda – tal era o trance musical.
Capela Mortuária e a ressurreição de Alvalade
Muitos decidiram sair após o cabeça de cartaz, porque já era
tarde, no entanto, aqueles que ficaram foram imediatamente trazidos de volta à
Terra, tal foi o milagre da ressureição – pela mão/voz dos Capela Mortuária. O quinteto
(quarteto em palco) de Braga mostrou como é que se encerra um Festival à grande
e à Portuguesa. A sua energia é do Thrash clássico, todavia o seu som soa a um misto do Thrash
moderno com o Thrash Alemão. Sente-se muita atitude típica do Hardcore ou até mesmo Grindcore. E os
grooves daquela bateria são simplesmente perfeitos (um mimo). Os que estivessem
a dormir em Alvalade foram imediatamente acordados ao som de temas como “Estranho”,
“Ego”, “Pornocultura” ou “Ódio” – no fundo os temas do mais recente trabalho ‘Monstro’.
Fazia falta a outra guitarra, porém os restantes membros compensaram com a
formidável energia e atitude em palco.
Eu fui muito feliz na edição de 2023, e dizem para nunca
voltarmos onde já fomos felizes…. Pois bem, opinião pessoal não liguem a essa
frase feita, pelo menos no que concerne à música. Porque eu voltei a ser ainda
mais feliz em Alvalade do Sado. O festival foi muito bem conseguido!
Eu quero deixar bem expresso o meu profundo agradecimento à
organização pela tarefa hercúlea, de conseguir montar todo um festival de 2
dias, carregado da mais pura qualidade. Qualidade essa que passa, claramente,
pelo forte cartaz (bastante eclético, como até já estava o do ano passado), mas
também por tudo o resto (muitas vezes o chamado trabalho invisível). Agradeço também às bandas por se entregarem assim à sua arte com tamanha
dedicação, por serem o motor de alegria e de libertação de tantos como eu. E obviamente,
a agradecer a todos os outros que tornaram o festival possível. Em suma: estão
todos de parabéns por fazerem parte de um dos melhores festivais de música
extrema atualmente.
Um agradecimento especial ao meu amigo Bruno Rosa, e as palavras ditas acima servem também para ti, só que quero acrescentar um muito honesto: Obrigado e parabéns!
Querem-se mais festivais como este! Quer-se boa música, bom ambiente e bons festivaleiros! Querem-se momentos destes onde possamos ser livres e abraçar a música. Querem-se bandas potentes que com a sua arte tornam-se o veículo de escape do mundo real, que está carregado de problemas. No entanto, com a música temos breves momentos onde podemos respirar um pouco de alívio, e esquecer os problemas. Venha mais música!
Resta dizer: que venha o Alvalade Arise 2025! (eu estarei lá certamente, e tu? Vais ficar de fora deste fest?)
Se tiverem curiosidade vejam aqui o texto sobre a edição de 2023.
É isto que é metal! É isto que é O Peso do Metal!
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