Alvalade Arise 2023 – Um dia repleto de metal lusitano
São quase 16h e faz-se sentir um sol poderoso nas terras alentejanas. Apenas uma bela dose de metal nacional poderá eclipsar a estrela do nosso sistema solar, neste Sábado solarengo.
O festival será na sede do Futebol Clube Alvaladense, o campo foi adaptado para receber as bandas e os festivaleiros. O espaço parece bastante amplo e irá permitir que muitos se possam reunir para um dia de verdadeiro metal nacional.
E sem mais delongas entra a primeira banda, e vamos começar uma maratona de 12horas de festival.
Dercetius carregados com um Death Metal Melódico
Uma sonoridade que em apenas alguns segundos nos remetem para
Hypocrisy ou Dark Tranquility. Tinham a hercúlea tarefa de tocar às 16h em
pleno Alentejo em Open Air, ou seja, demasiado calor e sol para os festivaleiros
saírem da sombra, no entanto isso não abrandou os Dercetius, que transmitiram
uma excelente energia com uma incrível presença em palco, o vocalista e
guitarrista Ricardo Pato traz-nos recordações de Chuck Schuldiner.
Verifica-se uma forte sinergia entre os 4 membros, deixando
soar por Alvalade uma amálgama sonora entre o baixo e as 2 guitarras, mantendo
sempre uma bateria forte a marcar o passo para todos. A banda foi muito bem
recebida por Alvalade, e para os adeptos do Death Metal Melódico fica aqui uma
banda a ter em atenção - lançaram o álbum Whitered este ano.
Com um nome retirado da mitologia lusitana, o deus da
montanha, quem sabe se não se tornarão nuns gigantes do género musical.
Nagasaki Sunrise e a sua atitude poderosa
Ainda durante o aquecimento é possível ver e em especial
ouvir o som inconfundível de um Rickenbacker, e lembramo-nos logo do grande
Lemmy Kilmister.
A energia dos Nagasaki Sunrise é demasiado contagiante, e
apesar do enorme calor que se faz sentir, a plateia não consegue parar de
dançar e abanar a cabeça. A musicalidade é uma mistura de Punk com proto Thrash
Metal, com o timbre do baixo a martelar de forma maravilhosa e remetendo-nos
para Motorheah. É a atitude Punk e uma sonoridade que se encontra entre o Speed
Metal e o Thrash Metal; vocalmente estamos no Punk mas instrumentalmente estamos
na transição entre este e o Thrash Metal. Adicionando ainda, o Heavy Metal e o Hard Rock presentes nas entrelinhas. A indumentária leva-nos para os anos 70 e movimentos
antiguerra do Vietname, ou não fosse a temática das músicas deste grupo de 5
maravilhosos artistas. A vibe da banda é inebriante e vai percolando por todos
os que se encontram na sede do Alvaladense – transmitem uma energia positiva
que já não nos larga.
Murro e música preenchida por
critica social
Apresentam-se ao palco com uma
sonoridade que mistura o Punk com Shoegaze, com algumas pitadas de Industrial
Metal. Vocalmente estamos perante uma mistura entre Adolfo Luxúria Canibal e
Rui Sidónio, mas em palco deixam bem marcada uma presença e identidade única e
querem deixar bem salientado em Alvalade ao que vieram. As temáticas das suas
músicas são, claramente, politicamente vincadas e fazem-nos lembrar os
movimentos Punk ou bandas como Rage Against The Machine, no fundo música
repleta de critica social como já não se ouvia há muito tempo.
O vocalista Hugo Cão (Hugo Botelho)
é super teatral na sua prestação em palco, e consegue transmitir a energia da
música nessa forma altamente expressiva, através da expressão facial, corporal
e o seu vozeirão. Acaba por se deitar no chão e/ou agacha-se e faz-nos lembrar
Maynard James Keenan a cantar ao vivo a “Sober”, que molda a voz com o posicionamento
do corpo.
A terminar ainda tentaram fazer um
mosh pit mas apesar do público estar ao sol, ainda não aqueceu o suficiente – ficará para
mais tarde certamente.
Horus e um Groove Metal
bombástico
Ainda no soundcheck ouve-se um rugido que em tudo se
assemelha a Randy Blythe – sabíamos que iriamos levar com uma dose de Groove Metal
E assim que começa parece que estamos num concerto de Lamb of
God, é um magnifico Groove Metal, todavia, deixam a sua identidade bem
delimitada. O seu Groove é propagável e é impossível não entrar num headbanging
pavloviano e descontrolado – é lindo, é contagiante, é enérgico.
O vocalista Martim Pinto tenta a todo o custo puxar pela
plateia de Alvalade, e apesar da música ser bastante convidativa, os Alvaladenses
deixam-se derrotar pelo forte calor sentido ainda pelas 19h – uma pena pois
pelo menos o headbanging seria garantido. Tremenda sinergia entre os
membros da banda, que se permeia para a plateia – Groove flui pelos corpos de
todos os presentes que respondem com um headbanging.
Uma incrível prestação, tendo sido um dos momentos altos do
festival. Dando o pontapé de saída pelo longo dia, que ainda agora tinha começado.
All Against e uma linda mistura de Thrash com Groove Metal
A banda entra e traz uma energia que nos lembra as bandas de
Thrash dos anos 80, mas também nos relembra a banda Sepultura. Funde a crueza e
rapidez do Thrash com o slowdown e drop para headbanging
do Groove, e o resultado: música para todos os gostos.
O sol já se tinha escondido e o calor começa a desvanecer, ainda
que lentamente, e os All Against aproveitaram para promover a 1ª wall of death
da edição de 2023 do festival – e assim se vê a força que esta banda carrega de
Lisboa até ao Alentejo.
Mais uma banda que manifesta uma colossal sinergia entre os
seus membros, mostrando que a música não é só harmonia musical, mas a acima de
tudo é harmonia em cima do palco entre os seus elementos.
A energia estava ao rubro, o vocalista Henrique Martins, durante
um dos solos de guitarra, põe-se lado a lado com os guitarristas Bruno Romão e
Ricardo Tito, e imita-os com o suporte do micro, como se de uma guitarra se
tratasse. Esta energia é direcionada para a plateia que adere aos tão
aguardados mosh pits.
Revolution Within e um Thrash Metal à maneira
A banda sofreu um pouco com o horário, pois o seu início coincidiu
com a hora de jantar. Apesar disso, assim que a musicalidade começou a ressoar
pelo recinto, os festivaleiros perceberam o que aí vinha. O som que a banda
trazia rendeu todos, e assim começou a congregação aos mosh pits em
Alvalade.
Um Thrash Metal muito rápido e cru, e com uma voz que roça o
Death Metal inicial dos anos 80 da Flórida. Os Revolution Within não vieram para
brincar, urgem incessantemente para que o público colida sob a forma de mosh
pits, e os presentes aquiescem. A aura transmitida pela banda pede contacto
entre a plateia canalizado sob a forma de mosh, e mais mosh,
mas também se atinge a plateia num modo de introspeção transfigurado em headbanging
sem parar.
No final como pináculo deste ótimo concerto, somos convidados para realizar uma wall of death, e em comunhão assim assentimos. Finalizando o resto do concerto com muito mosh.
WAKO e o seu rol de diferentes sonoridades
Uma miscelânea de Groove, Thrash e Death Metal - o que é que
podíamos pedir mais?
Entram com tudo, e levam todos com eles. A energia é incrível
e influi entre todos os presentes, e a plateia deixa-se ir no flow. Muito
headbanging e muito mosh pits ou não fosse a sonoridade da banda
bastante convidativa. Um som que relembra Cannibal Corpse, Pantera e Metallica
todos numa liquidificadora, à qual se acrescenta uma pitada de carisma protagonizado
pelo vocalista Nuno Rodrigues, que energizou alvalade desde o momento que pisou
o palco. Este foi puxando pela plateia durante todo o concerto, conseguindo
cativar até os mais introvertidos a juntarem-se a este gigântico concerto.
Uma energia distinta, que deixará sem dúvida a sua marca a todos os que assistiram ao concerto.
Uma excelente prestação desta maravilhosa banda que deu tudo
aos Alvaladenses, e que Alvalade retribuiu com muito carinho pela banda.
Thormenthor e a sua sonoridade exótica
A penúltima banda a pisar o palco foram os Thormenthor, banda já com muita experiência em palco, tendo dados os primeiros passos ainda na década de 80.
Assim que tocam as primeiras notas é notório que todo o
público está com eles. Se até aqui a música pedia mosh pits, com estes
mestres da música extrema seria tempo para headbang introspetivo e absorver
ao máximo a sua sonoridade; Seria tempo para headbang individual mas de
uma forma coletiva pois todos no recinto do Alvaladense estão fazê-lo altamente
coordenados.
A sonoridade de Thormenthor tem como espinha dorsal o Death
Metal casado com Black Metal (tremolo picking, blast beats (comum
às duas) e a criação da atmosfera (algo claramente do Black Metal), e
vocalmente algo entre 1ª wave de Black Metal e as primeiras bandas da Florida
de Death Metal. Mas depois adicionam pitadas de música psicadélica e
progressiva (Pink Floyd mas pesado), algum Doom Metal a roçar o Sludge Metal. E
são os próprios músicos a admitirem que na primeira demo tiveram como forte influência
bandas como Bathory, Venom e Possessed.
A sua sinergia e presença em palco é marcante, e nota-se que
andam nisto há muito tempo. A energia entranha-se pelos festivaleiros, que
deixam que a musicalidade trespasse por alvalade e que entre em cada um individualmente,
culminando numa incrível experiência por todo o grupo. Antes de iniciarem uma
música, ou após terminarem – fazem o enquadramento em termos de discografia e uma
breve explicação da sonoridade da mesma. Brindam Alvalade com uma cover dos Kreator,
a Tormentor (que pelo nome conseguimos perceber que deverá ser extremamente
importante para banda). O público de Alvalade recebeu os músicos de forma bastante
calorosa, e a banda retribui antes de sair com um incrível encore.
Serrabulho os mestres do grindcore nacional
Dispensam de apresentações tanto em Portugal como no
estrangeiro. São um grande nome do grind e já têm muitas provas dadas. São os
reis da festa. São os mestres da surpresa. São os soberanos da diversão. Num
concerto de Serrabulho tudo pode acontecer.
Resumindo para quem não sabe o que é um concerto de
serrabulho, deixarei uma breve descrição do que se passou em Alvalade. Imaginem
uma banda de metal, mas agora adicionem um tipo vestido de super-herói que vai gritar
constantemente “Vinhoooo” numa réplica do “Siiiiiimm” de Ronaldo; duas
cheerleaders que se fazem acompanhar de pistolas de água e que irão molhar
todos os que se atreverem a estar nas primeiras filas do palco; bolas de
futebol a serem atiradas ao público; montes de confettis para todos os gostos e
feitios; almofadas que são forçosamente rasgadas e o seu enchimento é projetado
para todos os que ainda se mantêm resistentes nos lugares da frente; quando
menos esperarem vão chover rebuçados; e muita música para um intenso headbanging.
Serrabulho fazem algo espetacular: pegam em músicas conhecidas, desde o rock ao
pimba e acrescentam-lhe de uma forma bruta, mas simultaneamente de um modo
suave, uma enxurrada de grind para cima da música com muitos, mas mesmo muitos pig
squeals. Isto só tem 2 resultados possíveis: muito headbanging e
muito divertimento. E tudo isto e muito mais aconteceu em Alvalade do Sado.
Alguns dos presentes até poderão não estar familiarizados com o
conceito que é Serrabulho, porém, assim que começa já não se distinguem os
veteranos do que estão à descoberta deste ícone do grind português, em uníssono
vibram e divertem-se como se não houvesse amanhã. Serrabulho puxa pelo público
Alvaladense, e o vocalista Carlos Guerra salta constantemente para junto público e inicia
ele mesmo um circle pit, enquanto a banda prossegue com as canções. O vocalista
dos Serrabulho consegue com uma habilidade invejosa, de quem já fez isto
demasiadas vezes, correr e cantar entre os choques com o público de Alvalade. O
concerto é caos, porém de uma beleza transcendente. Concerto maravilhoso
repleto de diversão, onde ainda houve tempo para se fazer um “apita ao comboio
por Alvalade do Sado”.
Metal é a linguagem da liberdade. Metal é o porto seguro
para mostrarmos quem realmente somos sem qualquer receio de julgamento alheio
ou preconceito, e os Serrabulho são o navio que permite a chegada ao abrigo.
Mesmo para aqueles que não se sintam cativados pela
sonoridade, convido-os a assistirem ao vivo, pois a diversão será sem dúvida
garantida - tenho a forte convicção que será impossível não se divertirem num
concerto desta colossal banda. Ficou a promessa de que daqui a 365 dias ou 2
anos os Serrabulho vão voltar a pisar o palco do Alvalade Arise, e desta vez
vai haver uma máquina de espuma. Como tal vai ser uma festa ainda mais épica.
António Freitas e uma viagem no tempo pela história do
metal
Todos os metaleiros sabem quem ele é. É talvez a razão de
alguns de nós entrarmos no metal, e como tal termos dados os primeiros passos na musicalidade do metal.
Trouxe-nos um setlist repleto de clássicos do metal tais
como “Ace of Spades” dos Motorhead, “Master of Puppets” e “Seek and Destroy”
dos Metallica, “Raining Blood” e “Angel of Death” dos Slayer, “Holy Wars” dos
Megadeth, “Territory” dos Sepultura, “Feuer Frei!” e “Du Hast” dos Rammstein,
“Chop Suey” dos System of a Down e ainda Painkiller” dos Judas Priest – apenas
para ficar explanado a noite que foi.
O horário está apertado, a organização pressiona para que se
apresse, mas o público não facilita e faz-lhe o pedido para que fique,
veiculado pela frase mais badalada num concerto “só mais uma, só mais uma” –
são quase 4 da manhã, mas Alvalade não tem sono; Alvalade tem sede, e é de música
pesada. Estica-se o horário ao máximo possível, e terminamos como a “What Is
Love” do Haddaway.
Foi um festival muito bem conseguido, repleto de excelentes
bandas do metal nacional. Muito parabéns à organização, aos músicos e técnicos
e a todos os que trabalharam para este incrível festival.
A título de resumo:
Aspetos positivos:
1) Excelente
cartaz - com grandes nomes da música pesada nacional, e futuras promessas;
2) Som
no ponto – conseguíamos distinguir todos os instrumentos.
Aspetos negativos:
1) O enorme calor que se fez sentir pela tarde – acabou por afastar algum público nas primeiras bandas.
O melhor concerto:
Serrabulho! Festa, festa e
mais festa.
A melhor surpresa:
Horus. Com um ciclópico Groove
que criou o mote para os concertos seguintes, apesar do calor que ainda se fazia
sentir.
No fundo acredito que seja um festival que vale a pena experimentar. Para aqueles que se queixam que não existe boa música pesada em Portugal, bastará irem à próxima edição e poderão testemunhar com os vossos próprios ouvidos. Se assim o entenderem pode ser que nos encontremos por lá em 2024.
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