Reportagem de Nihility European Tour 2024: Decapitated + Incantation + Nervosa + Kassogtha –LAV, Lisboa – 25/03/24

 

    

    A conversa que circulava é que o concerto no Porto tinha sido, no mínimo épico, pelo que as expectativas estavam elevadas. Contudo, havia um certo sentimento, de que este seria ligeiramente mais fraco, ou não fosse uma segunda-feira. 4 bandas com muita pujança e claro o álbum de 2002 ‘Nihility’ que marcou gerações, e é um marco importante no Death Metal Mundial.

    A longa fila que havia, ainda antes da abertura das portas, fazia-nos relembrar, que estes artistas causaram sala duplamente esgotada. Primeiro o RCA, e depois após tamanha procura de bilhetes, acabou-se por se encontrar uma solução no LAV.

 

    A abertura foi feita pelos Kassogtha que foram uma surpresa mesmo muito, mas mesmo muito agradável. Com um Death Metal bastante progressivo, com fortes influências nos clássicos do Rock Progressivo como Rush ou King Crimson, se bem que mantêm bastante vincado o Death Metal. Com apenas 5 temas este grupo vindo da Suiça conseguiu convencer os presentes, se bem que a banda merecia um público mais ‘prog’. Esta banda foi, e é genial. Vão dar que falar nos próximos tempos. E se ainda não cativaram totalmente os fãs lusitanos, dêem-lhes mais um gig aqui na Tuga.

 

    As Nervosa deram um show daqueles que Lisboa precisava, pois, a cidade precisava de ser recordada da sua missão para esse dia: curtir uma noite memorável. As artistas do Brasil sabem como energizar uma multidão e com os primeiros temas “Seed of Death” e “Death!” já todos entraram em sintonia (atenção “Seed of Death” é um dos melhores temas para se iniciar um gig, absolutamente brilhante aquela melodia que se transfigura num riff altamente frenético – L-I-N-D-O).  No meio do setlist ainda houve tempo para cantar os parabéns à baterista Gabriela. Terminaram a sua curta passagem (os metaleiros do LAV queriam mais) com o binómio, estonteante “Guided by Evil” e “Endless Ambition”. Deixam saudades, mas acima de tudo ganharam ainda mais fãs aqui em Portugal, onde já existiam bastantes.

 

    Incantation eram um dos nomes já badalados entre os metaleiros presentes no evento. Conversas paralelas, que se conseguiam ouvir entre mudanças de bandas, manifestavam um interesse coletivo da plateia. E as t-shirts, orgulhosamente, envergadas não enganavam ninguém. Os riffs foram do mais pesado que já se ouviu. Com aqueles intervalos menores e cromáticos que nos levam para o Doom, e somos depois martelados pela violência e velocidade – os nossos corações quase que não aguentavam tamanhas emoções e mudanças rítmicas. Tudo nos seus temas cheira a profano e a desafiante, o que os torna ainda mais admiráveis pela multidão do LAV.

    Temas como “Fury’s Manifesto”, “Blasphemous Cremation” e “Invocation (Chthonic Merge) X” foram alguns dos mais abraçados pelo povo de vestes negras, embora o tema “Impending Diabolical Conquest”  fosse um dos mais aguardados, e foi com esse mesmo que o grupo norte americano terminou a sua atuação. A multidão estava descontrolada, e o mosh pit crescia de tema para tema. O Crowd Surfing era obrigatório para quem queria sobreviver à passagem destes senhores do Death Metal.

 

    O momento mais aguardado estava prestes a chegar. Iriam ser cerca de 40 minutos em torno do álbum ‘Nihility’, e depois um curto périplo pelos temas dos Decapitated, alguns novos, outros mais clássicos. Então se em Incantation a sala tinha ido ao rubro, aqui com estes senhores do Death Metal Polaco é como se todos tivessem ressuscitado com triplo do vigor.

    Assim que começa a 1ª faixa “Perfect Dehumanisation (The Answer?)” a sala arde de tanta loucura, com circle pits incessantes; e surfistas sem prancha, que se atiram às ondas de multidão que os recebem de braços abertos, pois metal é congregação: metal é união. As músicas são encadeadas de um modo frenético, ou pelo menos assim nos parece, pois quando nos divertimos o tempo passa mais rápido (demasiado rápido). Todos vibram com “Mother War”, porém é a “Spheres of Madness” que é pedida desde o inicio da atuação.

    “Spheres of Madness” entra e todos enlouquecem. É nostalgia para uns, é novidade para outros, mas sem sombra de dúvida que ninguém consegue ficar indiferente ao riff, e claro à bateria daquela intro assombrosa, pelas baquetas do James Stewart. É como se Pantera e o Death Metal tivessem casado, e desse matrimónio o resultado fosse uma saudável criança que respira Groove e transpira agressão e peso do Death. Um mega pit que só era interrompido pelos ‘corajosos’ que se aventuravam a surfar a multidão, que por sua vez estavam em trance completo. Todos embrenhados no groove da guitarra fenomenal do ‘Vogg’ e do baixo de Paweł Pasek. Eu já presenciei alguns concertos onde o ambiente foi magnifico, todavia arrisco-me a dizer que este está num top 5, e neste ano está taco a taco com aquele vivido com Hellripper, Toxic Holocaust e Abbath.

    ‘Nihility’ passou a correr e quando nos apercebemos já estávamos a ouvir a cover dos Napalm Death “Suffer the Children”, o que significava que o álbum estava a terminar. E passaram para a 2ª parte do set, com “Cancer Culture” tema que dá nome ao trabalho mais recente da banda. Seguem-se “Just a Cigarrete” e a poderosa “Earth Scar”, e nesta o vocalista ‘Rasta’ pede ajuda aos presentes (se bem que não era preciso pedir). Mais loucura transfigurada nas dezenas de metaleiros que escolheram a noite de segunda-feira para viver a noite das suas vidas. Todos deram tudo, tanto a banda como a plateia. ‘Vogg’ muito emocionado, agradeceu mesmo muito, e ficou claramente espantado pela energia transmitida pelos metaleiros da tuga, que ainda sendo segunda à noite, não guardaram nada e entregaram tudo. Tocaram mais alguns temas, e terminaram a sua passagem por Lisboa com “Last Supper”.


    Já disse, todavia, tenho de reiterar, que este foi um dos concertos com melhor ambiente, que eu pude testemunhar. Houve uma relação tão orgânica entre público e banda, que só é possível no metal. Momento para testemunhar 22 anos de um álbum marcante, momento para testemunhar a longa carreira dos Decapitated (porém ainda novos). Talento que transborda por este quarteto fantástico da Polónia. As bandas que lhes deram suporte parecem ter sido escolhidas a dedo, e foram as melhores possíveis. Os Incantation deram a Lisboa uma bela dose de Death Metal à antiga, com um sentimento de peso, que parece que estava esquecido, só que eles relembraram todos os Portugueses: o que é o verdadeiro peso. As Nervosa deram um show melhor do que aquele que deram no Vagos 23, e atenção que em Vagos elas partiram tudo. É um Thrash que se transforma em Death, contudo, acima de tudo é mensagem musical, é critica social, é energia contagiante. Os suíços Kassogtha foram a surpresa da noite, e penso que seriam ainda mais bem recebidos, se o público fosse malta do Prog. São muito cerebrais, muito progressivos, são muito bons! É como se Pink Floyd tivesse colido no planeta Death Metal (ou não fosse um dos singles mais recentes um cover de Pink Floyd). Uma banda que vale a pena escutar, e ficar atento.


Não interessou o dia da semana. Se é para curtir uma boa metalada este pessoal de Portugal migra para o gig, e dá tudo! A noite foi puramente perfeita.

 

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    Eu dedico este texto ao meu avô, que infelizmente, faleceu hoje. A escrita tem demonstrado ser bastante terapêutica para mim, e ajuda, de algum modo, a ‘acalmar’ a dor. Não é o meu melhor texto, não é aquele que empreguei mais tempo ou atenção. Porém, é aquele que representa um dos concertos da minha vida, um momento especial que guardo no meu córtex, um momento de pura diversão. Um daqueles raros momentos da vida, onde nos sentimos completos, onde nos sentimos felizes. Um daqueles dias, neste caso, noite, onde fiz aquilo que o meu avô, provavelmente, gostaria que eu fizesse: me divertisse.

    Um beijinho grande deste teu neto.


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