Review de ‘Piss&Love’ dos Serrabulho

 


    Se há algo nesta vida que nos faz sorrir são as músicas dos Serrabulho. Boa disposição, humor e muita animação estão sempre presentes, e para além disso, há sempre um nível demiúrgico no que toca à criatividade. A banda formada por Carlos Guerra na voz, Guilhermino Martins no baixo e Ivan Saraiva na bateria.

    A capa do álbum demonstra imediatamente o humor típico, a que a banda já nos habituou. Os 3 membros da banda a urinarem, de modo que esse xixi forme o símbolo da paz e amor (fica assim desmistificado o título do álbum).

    Grindcore poderá não ser o vosso género, contudo, convido-vos a ouvir a banda, mais precisamente ao vivo (onde cada um poderá fazer parte da festa, porque Serrabulho é muito mais do que uma banda de Grindcore, eles são os reis da FESTA). Agora é tempo de mergulhar neste álbum fresquinho, venham daí.

 

1 “Erosvision”

    Inicia-se com o hino da Eurovisão que rapidamente se transfigura num concurso de sons de flatulência. Entram uns acordes em suspensão e ficamos perante uma intro típica de um tema de Rock, contudo existem umas intrusões eletrónicas que bebem a sua inspiração na música de Tony Igy “Astronomia” (que quase todos conhecem como Coffin Dance). Dando o mote certo para as restantes faixas deste projeto.


2 “Rest in Piss”

    Aquele tremolo faz-nos vibrar a um nível que não estamos habituados com Serrabulho, logo de seguida para sermos recebidos com um “What’s up???”. O riff é de uma energia contagiante, e um dos melhores da banda. A vibe só vai crescendo à medida que a faixa avança, tendo um breakdown moderado – que nos permite respirar um pouco – e depois retorna para mais uma sessão de headbanging. O canto acaba por ser um misto de gutural com pig squeals (como a banda já nos tem acostumado). A bateria e o baixo acabam por manter-se no fundo, contudo, merecem o seu destaque pelo poderoso groove que é a espinha dorsal do tema. A letra acaba por ser a paródia habitual, merecendo enaltecer que não deixei de sentir uma certa inspiração no musical de Sweeney Todd, mais concretamente, em “Pirelli’s Miracle Elixir”.

Esta é a melhor forma de iniciar um álbum, pois agarra imediatamente o ouvinte. Acrescentar também que este é um dos melhores temas.


3 “Grind e Grossa”

    Começa logo com um trecho da banda sonora de um site de filmes de adultos amplamente conhecido, vaticinando sobre a temática deste tema. Existem vários trechos retirados de memes da internet que adornam o tema, sem nunca sair da matriz da canção. Em termos sonoros parece-se muito com Punk Rock, com aquele típico pára-arranca instrumental entremeado com a voz. Instrumentalmente temos um riff enérgico e um groove contagiante, na voz temos uma mistura de Punk Rock com gutural e pig squeals. A temática acaba por ser aquela que se esperava ao fim de ouvirmos os primeiros 3 segundos.


4 “I’m Proud to be a Cow”

    Mais uma mistura com música eletrónica, relembrando a célebre frase “Por qué no te calas?”, que é invadida por um groove de baixo absurdo. Esta faixa detém a melhor linha de baixo de sempre da banda, na minha opinião.


5 “Piss or Love”

    Aquele saxofone dá uma tonalidade diferente à musicalidade da banda, e abre os campos do experimental, evidenciando o verdadeiro potencial criativo de todos os elementos. Este é até agora aquela que mais transpira Grindcore do álbum. Encapsulando aquilo que o género nos habituou, uma bateria infernal e incansável (talvez a melhor de todo o álbum), guitarras rasgadas e claro a voz do mais agressiva que se quer, com muitos (enfâse nos muitos) pig squeals. Além de tudo isso, o refrão é muito catchy e fica no ouvido ao fim de ouvirmos apenas 1 vez.

    Na minha opinião um dos melhores temas de todo o álbum.

    Relembrar que este tema tem um vídeo altamente divertido neste link!


6 “Love Parade”

    Novamente música eletrónica, desta feita techno, para criar a atmosfera de festa requerida para a música. E do nada entra a banda toda ao mesmo tempo e parece que estamos noutra canção totalmente distinta.  A dualidade bateria-baixo é formidável do início ao fim, e o riff e voz elevam-nos ao longo da faixa. As intrusões de música eletrónica voltam a surgir a meio, numa espécie de interlúdio, para voltarmos à carga.


7 “Break for Pee”

    Esta música acaba por ser a mais diferente, sonoramente, pois tematicamente mantém-se com bastante afinco. Piano a la jazz e canto a la blues, e não consigo deixar de sentir nas entrelinhas o musical dos Miseráveis com “Master of the House”. Acaba por ser uma pausa a meio, dando algum oxigénio, para voltarmos à carga na segunda metade.


8 “I Pissed a Girl and She Liked It”

    Arranca com um groove de bateria bastante vertiginoso, e no fundo ainda antes desta entrar soa a gaita de fole (mas em pausa). Acaba por se concretizar a profecia e a gaita de fole entra passado 45 segundos do início. A forma como um instrumento muda por completo a tonalidade de um tema, e do nada a vibe fica muito mais Folk, atribuindo-lhe um aroma muito interessante e diferente, coadunando-se na perfeição à temática da canção: Um tributo à bebida cerveja.


9 “Pissachu”

    Como o título indica, e pela sample utilizada nos primeiros segundos (sons do Pikachu) sabemos que vai ter haver com Pokémon. E em termos de letras acaba por ser mesmo uma paródia (a la Serrabulho) à música inicial do show Pokémon. Contém, acima de tudo um dos melhores pig squeals de todo o álbum.


10 “E Pudesse eu Cagar de Outra Forma”

    Uns ‘belos’ versos declamados pelo Jorge Neto (mais conhecido por Rato do Balas e Bolinhos). Através do título e por esta introdução do Jorge Neto já antevíamos que a temática seria isso mesmo: Fezes. A faixa é mais curta, quando comparada com as demais, e acaba por ser intensa, como é na generalidade do Grindcore. Contudo, em termos instrumentais soa muito mais a um refrão de Rock Clássico, ou não fosse inspirado pelo célebre hino dos Ornatos Violeta “Ouvi Dizer”.


11 “Anal La La La Long”

    Muito descontraído com a utilização de instrumentos como a guitarra portuguesa, cavaquinho e acordeão, misturados com a aura clássica da banda – transcendendo o som da banda neste tema. A conjugação está perfeita e soa mesmo muito bem. É o tema mais experimental, na medida que combina mais elementos e mais instrumentos. A vibe da canção vai-se transformando, mantemos sempre os pés no chão e os olhos no horizonte, e somos brilhantemente surpreendidos.


12 “Hardcore Love”

    Começa como um típico riff de Metal Industrial, muito pesado e com forte incidência no campo do Industrial. Muitas samples de Simpsons, música eletrónica, sons de flatulência, uma versão techno da “Careless Whisper”, música popular portuguesa e muito mais. Acaba por ser uma cereja no topo do bolo, e um verdadeiro zoo em termos de referências à pop culture. Acaba por ser aquilo que Serrabulho é: Festa e da boa!


    Este último trabalho dos Serrabulho distancia-os dos trabalhos anteriores (para melhor), impulsionando-os para terras inexploradas dos campos da música experimental. A utilização de piano, saxofone e gaita de fole são apenas um exemplo mais evidente, contudo, há todo um conjunto de elementos, talvez, mais subtis, porém para os mais atentos não deverá passar despercebido. É manifesto a sua criatividade e conhecimento da cultura popular, e todos os temas acabam por ser um elogio a isso mesmo, levando-nos inevitavelmente a algumas gargalhadas ou a uns comedidos risos. Desde samples de outros géneros (música popular e eletrónica por exemplo) a excertos sonoros de vídeos/memes da internet ou TV portuguesa e internacional – surfando uma onda de divertimento com uma prancha de nostalgia.

    É evidente a qualidade técnica de cada um dos elementos. O Carlos Guerra na voz mostra que detém um range vocal muito alargado, e consegue aplicar uma panóplia de técnicas que vão para além dos mais conhecidos pig squeals. O Ivan Saraiva parte tudo com aquele seu kit de bateria, mostrando uma execução de topo e uma energia inesgotável. O Guilhermino Martins tem uma capacidade formidável de criar linhas e grooves no seu baixo que nos transportam ao longo dos temas. A guitarra é do mais versátil que alguma vez poderíamos esperar, passando por diversos géneros, e sempre impecavelmente tocada. Os temas que gostaria de destacar são “Rest in Piss” e “Piss or Love”, pois na minha opinião são os mais bem trabalhados e os que mais facilmente serão absorvidos pelos ouvidos, e são na verdade os melhores, a meu ver. Deixar uma nota para os temas “I Pissed a Girl and She Liked It” e “Anal La La La Long” por incorporarem instrumentos menos convencionais, evidenciando uma criatividade brilhante.

    Serrabulho é Party Grind, Serrabulho é qualidade sonora, Serrabulho é divertimento musical, Serrabulho é a vossa escolha para se divertirem. Após tantos pleonasmos até fica mal dizer que Serrabulho é isso mesmo, é diversão acima de tudo. Convém, todavia, deixar bem presente, que apesar de ser festa, a sua qualidade na execução e na criatividade musical está muito acima da média do que se vê no nosso País e no Estrangeiro. Sempre bastante humildes, e sempre prontos para fazer divertir os outros. Porque no fundo a arte é isso mesmo, é transmitir um sentimento através de um veículo artístico, de forma que a audiência consiga captar esse sentimento, ou quem sabe, reinterpretar e percecionar algo totalmente distinto, mas ainda assim válido.

    Trata-se de um álbum bastante abrangente e diversificado e na minha opinião é 4/5. Os fãs do género vão encontrar gemas ao longo deste trabalho. É bom para animar, quando nos sentimos em baixo. Se gostarem de música experimental este poderá ser um bom álbum para se ouvir. A banda consegue reunir neste projeto aquilo que o é ao vivo: a alma da festa. Sempre a elevar a fasquia e conseguir consecutivamente superar a sua própria marca. Eu não sou o maior fã de Grindcore, todavia, não deixo de não conseguir adorar este e outros trabalhos da banda, porque Serrabulho transcendeu o que é suposto no Grindcore. Não se preocupa com rótulos, preocupam-se sim com a mensagem, e a mensagem a meu ver é: “Divirtam-se, mas é!”

    Melhor que ouvir as músicas em casa no nosso conforto, é mesmo ouvir ao vivo e entrar na festa (que está sempre garantida). Para conhecer a banda não esquecer Milagre Metaleiro Open Air no dia 25 de agosto.

    Podem ouvir o álbum no Spotify, Bandcamp e YouTube.

   

 

    Não podia deixar de agradecer a todos os membros da banda individualmente, e a todos como um conjunto. Muito obrigado Serrabulho! Venham daí mais álbuns e mais concertos! Um grande abraço para todos.


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