Reportagem: Trivium + Bullet For My Valentine (BFMV) – Campo Pequeno, Lisboa – 26/02/25

 


20 anos é uma marca importante em qualquer aspecto das nossas vidas, na música não é exceção. As bandas Trivium e Bullet For My Valentine deram as mãos, nesta que foi, até à data, uma das tours mais marcantes do ano de 2025, para celebrarem 20 anos dos álbuns Ascendancy (2º álbum dos Trivium) e Poison (1º álbum dos BFMV). Os álbuns são dos mais importantes na 2ª onda de Metalcore, e dos mais importantes para as bandas, e claro, também dos mais bem acarinhados por todos. Este era um evento, há muito, aguardado por muitos devotos da mística de cada uma das bandas, e por uns tantos outros demasiado crentes na cultura musical, e obviamente os curiosos pelo peso da história.


Quero fazer já o disclaimer que não tive oportunidade de assistir aos Orbit Culture, pelo que não os irei abordar. Contudo, quero deixar a nota de que o feedback que recebi é que deram alto show. E de facto são uma banda incrível e que merece uma 'vista de tímpanos' de todos os fãs da música extrema.


A primeira parte deste evento coube aos BFMV. A “Intro” arranca, e todos os presentes sabem o que aí vem. Muitos apressam-se a entrar na Sala do Campo Pequeno, outros adiam a vontade de ir ao WC, e outros esquecem-se da sede. Seja como for, a viagem está prestes a começar, e ninguém quer ficar apeado.

“Her Voice Resides” começa e ninguém se contém, a energia transborda por toda a parte. A sala grita em peso de pura emoção, ornamentada por cerveja que voa por todo o lado. Caos organizado em torno de um bem comum: música! “4 Words (to choke upon)” segue e todos se encontram devidamente aquecidos, e encharcados de pura alegria. As emoções percolam entre banda e multidão, e volta a circular sem fim. As caras de felicidade dos 4 músicos em palco é algo sem preço, percebemos que estão onde é suposto estarem. Os solos oscilam entre Matt Puck e Michael Paget, e todos entram no comboio musical, sem nunca abandonarem os seus lugares.

“Tears Don’t Fall” com direito a uma introdução acústica, e como é obvio um momento que todos quiseram imortalizar com os seus telemóveis. É um tema clássico e todos estão atentos a tudo, querem recordar esta vivência da melhor forma possível. Enquanto isso, uns tantos preferem descarregar as suas energias num Mosh Pit. Prosseguem, sem grandes delongas (ou pelo menos assim nos pareceu, pois se a energia fluía neste gig, então o tempo voava), com “Suffocating Under Words of Sorrow (What Can I Do)”. Os presentes já se encontravam quase sem voz… e ainda nem íamos a meio… tudo nesta noite prometia.

Matt Puck chama a atenção do público, de que o tema seguinte tem sido um dos mais bem recebidos, pelos fãs durante a tour. Os fiéis sabem que a próxima é “Hit the Floor”. E pois bem, o timoneiro do grupo acertou na muche. Momento alto da atuação: A sala ficou doida (ainda mais)! Toda gente cantou o refrão em plenos pulmões! Foi é-p-i-c-o!

Avançam para “All These Things I Hate (Revolve Around Me)” e a poderosa “Hand of Blood”, onde foi possível ver o baixista, Jamie Mathias, a dar tudo nos backing vocals. E todos os presentes entravam em ressonância energética com o que o se passava na Sala do Campo Pequeno. Tivemos “Room 409” e o tema que dá nome ao álbum “The Poison”. Até aqui a viagem foi demasiado intensa e célere, pois não há um único tema que seja filler neste álbum.

“10 Years Today”, “Cries in Vain” e “The End” avançam rapidamente, e sabíamos, porém não queríamos admitir, que estávamos no final do álbum. Como se algo tivesse convertido o som em luz, tal era a nossa perceção do tempo. Ainda havia o encore, e somos brindados com 2 temas: “Knives” e o clássico “Waking the Demon”. Esta última é como se todos tivessem sido ligados a um desfibrilador, pois todos voltam à carga inicial, completamente vitalizados, completamente energizados. Querem dar tudo à banda, que estava a dar tudo ao público. Explosão de energia na sua forma mais pura, que se propagou por toda a sala, e por ali durou até a música subtilmente desvanecer. A bateria de Jason Bowld hipnotizou os metaleiros desde a primeira batida, e foi como choque quando foi dada a última: Uma viagem!

A emoção de escutar ao vivo temas com os quais temos uma ligação é algo indescritível. Mas acho que mais intenso é olhar em redor e perceber que como eu, estavam milhares. Todos em comunhão, a sentir o mesmo, talvez por motivos distintos, só que pouco importava. A música une as pessoas, e conecta-as através de vivências e experiências. A emoção bem vincada nos rostos dos presentes não deixava margem para dúvidas… as músicas estavam a penetrar em todos de uma forma inegável. Sorrisos rasgados por todo o lado, algumas lágrimas e muita gente a dançar. Headbanging e Mosh Pit, ou isto não fosse um concerto de metal, sempre bem temperado com o clássico Crowd Surfing. E o som estava no ponto (pelo menos onde me encontrava), o que amplificava de modo ainda mais positivo toda a experiência coletiva.

No final sentíamos o nosso cansaço, mas também o cansaço da banda, que já contava com muitos concertos nas pernas. O cansaço estava muito bem maquilhado pela felicidade de poderem ter entregue aos fãs, aquilo que mais gostam. Uma felicidade riquíssima de celebrar 20 anos de pura arte.


Muitos procuram refúgio no fresco, enquanto outros estrategicamente se posicionam na sala, em busca de um 'lugar melhor'. Enquanto se espera pelos Trivium, todos comentam a bujarda que tinham acabado de escutar. Estavam todos em completo êxtase, só que ainda havia espaço para mais… para muito mais.


Escutam-se os acordes numa guitarra acústica da intro do álbum Ascendancy “The End Of Everything”, e todos sabem que estamos prestes a entrar numa hora altamente vertiginosa e intensa. Abrem com “Rain” e sobem ao palco, e a emoção é libertada de uma forma demasiado estrondosa. Todos queriam Trivium! Todos queriam isto!

Matt Heafy é o frontman, e começou logo a puxar pela malta, e não parou durante todo o concerto. Falou mais português, do que na sua língua materna, com o público presente. Galvanizando ainda mais a conexão que já existia (há alguns anos). A felicidade de estar de volta a Portugal não podia ser escondida na cara de todos os membros Corey Beaulieu, Paolo Gregoletto e Alex Bent.

“Pull Harder On The Strings Of Your Martyr” uma das favoritas dos fãs e é recebida com igual energia que é tocada pela banda da Florida, 'altamente nuclear'. Loucura e emoção que se transfigura em mega Mosh Pit e muito, mas muito Crowd Surfing.  Prosseguem com “Drowned and Torn Asunder” e a música que dá nome ao álbum “Ascendancy”, sempre com muita interação com a plateia o que torna a experiência ainda mais memorável. Dá gosto ver uma banda que gosta genuinamente dos fãs, e gosta da ligação que é suposto existir. Chegava o momento para o baterista Alex Bent brilhar, num majestoso Solo de Bateria. Em simultâneo foi possível observar Monte (a moscote do álbum) numa forma de insuflável, a ser erigido, e que por ali se manteve durante a restante performance dos artistas.

“A Gunshot To The Head of Trepidation”, com toda a sua agressividade inerente, é atirada aos fãs, com um misto de emoções. A plateia agradece, e pede mais, e a banda entregou “Like Light To The Flies”, mais uma de pura agressividade emotiva. A plateia agradece novamente, mas pedem ainda mais.

Os presentes aguardavam por algo mais. Uma surpresa, que na verdade já não seria surpresa nenhuma, ainda assim todos em conluio fingiam que nada sabiam. E pronto chegava o momento alto, de todo o espetáculo, de toda noite, e atrevo-me a dizer de TODA A TOUR: o TOY. O artista português subiu ao palco, e todos ficaram 'surpreendidos' e em pura doidice emotiva, já ninguém se quer controlar. Todos libertam gritos adornados da mais pura felicidade.  “Dying In Your Arms” é então cantada em conjunto com Toy. E o Toy como um performer perfeito, executa a sua atuação de uma forma irrepreensível. Toy é em Portugal o artista mais plástico que existe, no sentido de que consegue adaptar-se a tudo, e depois consegue realizar a sua performance sempre de forma insuperável. Temos ainda a sorte de presenciar a criação de uma música exclusiva para este concerto, uns versos a la Toy, que no improviso impera sempre, e com um refão super catchy “Po Car#%&o”. E do nada ouve-se o Campo Pequeno em peso a entoar o refrão “Po Car#%&o”, “Po Car#%&o”, “Po Car#%&o”. Alguns não aguentam as gargalhadas, outros, já em modo festa desde o início, deixam-se ir pela corrente emotiva e entusiasmante e entregam-se aos pulos. Outros tantos querem imortalizar nas redes sociais este momento único. Ainda merecemos um 3º tema, neste caso a canção lançada em 2019 em colaboração do Toy com os Trivium “O Coração Não Tem Idade (Vou Beijar), que é um spin off do tema do Toy de 2017. Mais uma que todos sabem a letra de cor, e não têm vergonha de o mostrar aos artistas.

Toy é o artista! E mostrou, novamente, que também ele nasceu para o Metal. Os que tinham estado no VOA em 2019 relembram-se desse momento, onde os Trivium cantaram com o Toy, e os que não tinham estado ansiavam por ter a oportunidade de testemunhar com os seus próprios olhos, este momento de pura amizade artística.

Entramos na “The Deceived” e “Suffocating Sight” para mais bujardas, até porque se íamos com o pé no acelerador sensorial, não seria agora o momento para abrandar. “The Departure” permite-nos recuperar algum oxigénio, porém por brevíssimos instantes. “The Declaration” e sabíamos que estávamos na última do álbum. Este tema abalou o que ainda se mantinha de pé, e após esta música dos Trivium: não ficou pedra sobre pedra.

Ainda havia o encore, e pudemos respirar de alívio, teriamos acesso a mais um paliativo musical, que permitia esticar este maravilhoso concerto, que nenhum de nós queria que terminasse. “Capsizing The Sea” a intro que todos conhecem inicia, e todos se mentalizam, que vêm aí o tema, talvez o mais famoso da banda. Matt Heafy pede a todos para se agacharem, e quando a música rebentar, todos devem saltar. Tal é o poder deste mestre da clarividência, pois bem-dito bem certo, e assim que rebentou o tema “In Waves” todos (enfâse no todos) se levantaram e saltaram, como se de uma onda tivessem sido atingidos (no pun intended). Esta era a oportunidade para todos os soldados do metal, se entregarem ao Mosh Pit e ao Crowd Surfing, e mostrarem o seu verdadeiro amor pela banda. Como fiéis seguidores todos aproveitam este efémero ápice, e entregam-se por completo, sacrificando as restantes energias que ainda se mantinham agarradas aos seus corpos. Terminou, e deixou todos preenchidos de felicidade.

O amor dos Trivium por Portugal é inegável, seja pela comida, bebida ou pelas pessoas (palavras de Matt Heafy). Apaixonaram-se pelo nosso país, e nós portugueses correspondemos a esse amor, que já vai bem para lá da música. Matt Heafy fez questão de empunhar uma t-shirt da seleção nacional, que deve ser encarado como mais uma manifestação do carinho, que tanto ele, como a banda detêm pelos fãs portugueses. A ligação é tão forte que (espero não estar a cometer uma gafe) este foi o único concerto em que os Trivium tocaram em último lugar. E somos abençoados pelos Trivium, que asseguraram que este foi o melhor concerto da tour.


Ficou a promessa de um regresso de ambas as bandas, e nós por cá aguardaremos ansiosamente. E guardamos este bem guardado no nosso coração, que segundo o Toy não tem idade, e depois do que vi na Sala do Campo Pequeno acredito que é verdade, o coração não tem mesmo idade.


Uma noite linda! Uma noite de pura magia! Uma noite repleta de nostalgia! Fomos transportados para 2005. Fomos teletransportados para adolescência. Fomos levados pelas mãos musicais de cada uma das bandas, pelos confins de memórias, que pensávamos já esquecidas. Só que aquelas melodias ao se difundirem pelas nossas mentes fizeram-nos recordar tempos onde não havia preocupações, tempos onde não existiam as chatices do dia-a-dia. Um tempo onde eramos felizes e nem sabíamos. Um tempo longínquo, mas concomitantemente tão perto.

Músicas escritas, na altura, por adolescentes ou jovens adultos, daí a conexão direta com as músicas quando também eramos adolescentes. Pois muito daquilo que eles sentiam nós também sentíamos na altura. Ouvir por outra pessoa, através de uma música sobre algo que também nós sentíamos, fazia-nos perceber que não estávamos sozinhos neste mundo. Fazia-nos sentir, aquilo que o ser humano mais quer: Pertencer. Sentíamo-nos compreendidos. Deixávamos de nos sentir excluídos.

A verdadeira essência da música, é isto mesmo, é criar e soldar memórias no nosso hipocampo, sempre pela mão do nosso sistema límbico, e preservá-las ao longo dos anos… e basta uns pequenos acordes ou um curto riff para que nos venham à cabeça esses momentos já perdidos, porém momentaneamente recuperados. Voltamos a viver durante aquelas horas, que na verdade passaram que nem feixes de luz… demasiado frenéticos… começou tão rápido como terminou… a dilatação do tempo é um flagelo para aqueles que procuram a diversão nos concertos.

A noite permitiu voltar a sentir, acima de tudo. Num tempo onde quase nem temos tempo para 'sentir'. Momentos como estes são lufadas de ar fresco. São um escape à realidade labiríntica e claustrofóbica, que nos aperta e tortura sob constantes estímulos intermináveis. Anestesiados por completo, sem ter noção do que é ter noção. E, no entanto, estes escapes da realidade é que deveriam ser a nossa realidade. Sentir, deixar sentir e não ter receio de sentir. Viver sem dogmas, viver sem preconceitos, viver apenas vivendo. A música tem destas coisas, faz-nos sentir vivos e relembra-nos o que significa ser.

Foi uma viagem pela adolescência para muitos, foi o conectar com 2 das bandas que se calhar nos abriram o caminho para tantas outras. Seja qual for o papel destas 2 bandas em cada um de nós, uma coisa é certa: Todos sentimos nesta noite! Emoções fortes e garridas! Nostalgia e muita alegria. Lembranças e novas memórias para a posteridade.

Confesso que este concerto teve um toque especial para mim, por tudo que estas bandas, álbuns e músicas simbolizam não só para mim, mas para nós no geral. Independentemente de se gostar ou não de Metalcore, a verdade é que muitas das letras têm significado interno, em cada um de nós. Muitos dos riffs têm origem estilísticas em subgéneros do Metal, que todos nós adoramos, como o Death no caso de BFMV ou o Thrash no caso dos Trivium. Todos temos um género ou uma banda que nos iniciou no mundo do Metal, e para o bem ou para o mal o Metalcore teve uma forte influência em mim enquanto criança e adolescente. Hoje em dia, quase nem oiço nada de Metalcore, todavia sempre que lá regresso é como voltar aos anos fáceis da vida. E sabe bem recordar, sabe bem voltar a ser jovem. E verdade seja dita o Metalcore continua a ser um género que dá cartas, e que está repleto de bandas muito boas, em que os Trivium e os BFMV são apenas 2 grandes exemplos. Foi um daqueles gig que ficou a ressoar cá dentro durante vários dias. E na verdade estes são os melhores, são os que nos deixam estas cicatrizes emotivas - ao ponto que senti a necessidade de escrever sobre ele.


Não me queria alongar muito, mas… senti a necessidade de deixar um conjunto de palavras adicionais.


Quero agradecer aos Trivium, Bullet For My Valentine e ao Toy. E pedir desculpa por não ter conseguido chegar a tempo dos Orbit Culture.


Querem-se mais noites como esta. É isto que é Metal! É isto que é O Peso do Metal!


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