Reportagem: ANZV + Dallian – RCA, Lisboa – 13/04/24



    Havia a dúvida se a adesão a este evento seria significativa, uma vez que as hordas metaleiras poderiam dividir-se entre este evento e o Almada Death Fest. Pois bem, quem não foi ao RCA perdeu uma das melhores noites, de sempre, de puro Metal.

    A noite começou um pouco mais tarde do que estávamos à espera, mas valeu a pena. Pois foi uma bujarda daquelas, que quando se sai da sala ficamos horas a descomprimir as emoções vividas.

    A banda que nos deu a honra de iniciar todo este processo mágico-musical foram os Dallian. Os Dallian apresentam-se como uma banda de Death Metal Sinfónico, e ao entrarem em palco a sua indumentária faz-nos imediatamente lembrar os Fleshgod Apocalypse, mas muito mais ‘steam punk’. Em palco esteve o quarteto, que no fundo teve na bateria André Fragoso, e depois nas 3 guitarras de 7 cordas Leandro Faustino (guitarra de solo), Ricardo Caniça (backing vocals) e Carlos Amado (vocalista).

    Já se podia desconfiar que iria cheirar a Prog devido às guitarras com 7 cordas, porém assim que começam a tocar tudo remete para Opeth. Seja nos interlúdios mais acústicos, seja pelo baixo (apenas na gravação infelizmente) bastante ‘jazzish’ com um groove poderoso, seja pelos ritmos labirínticos. Pois bem Prog na minha opinião é sempre bem-vindo, pois abre os horizontes da música, e faz-nos caminhar para zonas inexploradas, muitas vezes quebrando regras musicais, e o resultado é sempre positivo. Com os Dallian esta tese permanece intacta, pois este quarteto de Leiria mostrou como é que se faz música moderna muito interessante e exótica.

    Destaque para um novo tema “The Heist”, que aqueceu a sala (a plateia até aqui estava excecionalmente tímida). A banda conseguiu mostrar o seu som, que na minha opinião tem os pés bem mais assentes no Progressivo do que no Sinfónico. A sua estética é formidável e a sinergia entre membros é no mínimo invejável.

    O momento que levou ao êxodo dos meros mortais metaleiros, de modo a que se pudessem congregar em torno da Sala de Alvalade, tinha chegado: Os Anzv subiam ao palco! Um a um, de forma quase ritualística, entravam e segurando religiosamente um artefacto, caminhavam até à parte central do palco. Ostentavam a relíquia cuidadosamente, e depois colocavam-na numa base que se encontrava mesmo no meio do palco, junto ao limite do mesmo. Um castiçal, uma adaga, uma tabuleta em barro com escrita cuneiforme e um utensilio para dispersar fumos com incensos, no fundo todo um conjunto de objectos que de alguma forma são sagrados. E entrou-se assim, naquilo que seria mais do que um concerto, seria mais do que um ritual, seria uma experiência tetradimensional.

    Arrancam com uma aura mística carregada de ondas energéticas profanas, mas este Black Metal não é satânico, é apenas pagão, só que do mais puro que já se ouviu. Sentimos uma mistura perfeita, e tão bem equilibrada entre aquele Black mais clássico, antigo e profano, com aquele Black moderno, bem trabalhado e muito hipnótico. A isso juntam-se os elementos de Folk da Mesopotâmia, e o resultado é algo que nos cativa desde o primeiro tremolo. Soa também muito ao Death ou ao Blackned Death, o que faz sentido, dado o facto de os géneros combinarem muito bem, atribuindo-lhe ainda mais aquela veia negra e sombria. Portanto o som é complexo e multicamada, todavia entra muito bem “à primeira vista”.

    As músicas foram passando, e passaram, e quase nem nos demos conta, por estarmos ‘entangled’ com os artistas, que dão por nome apenas pela primeira letra do seu pseudónimo. Os guitarristas M. e N., a baixista T., o baterista E. e o vocalista A., acentuando ainda mais o mistério em torno deste quinteto do Porto. A sua postura corporal e facial manteve-se no papel que cada um desempenha em palco, e só foi quebrado ao terminar a última canção, onde de modo pavloviano esboçaram um sorriso. Tocaram o seu álbum ‘Gallas’ na integra, porém numa outra ordem. Não dá para destacar um tema em particular, pois todo o concerto foi concebido de uma forma que todo ele foi um ponto alto da noite. Contudo, quero destacar a estética que é no mínimo sublime.

    Foi uma viagem ao passado, à origem da humanidade. Toda a mística e veneração à cultura da mesopotâmica, em particular aqueles que se pensam ter sido os primeiros povos da região, os Sumérios. Até o setlist (que é uma verdadeira obra de arte, e que me obrigou logo, de imediato, a pedir ao guitarrista M., quando ainda estavam a montar o palco), deixo aqui a foto para que possam consultar. E é isso mesmo, está escrito em Sumério!

 


    Se o meu Sumério não me falhar, em português fica:

  1. Leper
  2. Isimud
  3. Rituals
  4. Lethargy
  5. Remnants
  6. Repentance
  7. Seclusion
  8. Inane
  9. Mist 

    Em suma, a banda trouxe consigo uma onda misteriosa e ritualística, e os metaleiros que decidiram entrar no templo, que foi o RCA, saíram convertidos e a adorar os Anzv. Metade da sala em completo trance com a banda, a outra metade nuns incessantes mosh pits com convites a stage diving (alguns até um pouco mal calculados, tal era a energia). Pegaram de estaca nos tímpanos do pessoal de Lisboa e arredores, e serão certamente aguardados para futuros shows como o de ontem à noite. A sinergia entre todos é extremamente poderosa e não escapa aos olhos de ninguém, é lindo de se ver. O conjunto é do melhor que há: os tremolos, os blast beats, a voz profunda e intensa, e aquela palheta a raspar nas cordas do baixo - perfeito!

    Os Dallian trouxeram consigo um Death Metal com laivos de Progressivo e Sinfónico que nos deixaram a querer mais. A sua estética mais ‘steam punk’ é algo bastante inovador e encaixa muito bem no som produzido, e penso que seja único no país.

 Parabéns às bandas, aos músicos, à promotora e a todos os envolvidos na organização e logística do evento - muito obrigado!

Querem-se mais noites como esta, onde para além de boa música pela mão de duas bandas maravilhosas, houve um espírito na sala do RCA bastante caloroso. É isto que é metal! É isto que é O Peso do Metal!

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