Review de ‘Heritage’ dos Gandur

 


    Black Metal é talvez um dos géneros de Metal mais lindo e mais assombroso, e talvez aquele que se torna mais difícil a entrada de novos ouvintes. Se bem que com este trabalho dos Gandur torna-se fácil a sua audição, mesmo para os noobs do género. Se é música para nos arrepiar a espinha que se procura, a busca por tamanha façanha pode terminar já aqui neste poderoso álbum dos Gandur. A banda é formada por 5 elementos sendo eles Karnathvs na bateria, Lordigan na guitarra, Dæmonatos na guitarra de ritmo, Gulthor no baixo e Aodh na voz. Este quinteto consegue em apenas 4 músicas agrupar a verdadeira essência do estilo, seja na temática, instrumental ou na atmosfera.

    Olhando para a capa do álbum fica-se com a sensação de que iremos para algo que misture o Folk com o Black com aquilo que parece um Wraith e algumas runas nórdicas. Na verdade, olhando para a descrição da banda no Spotify ficamos ainda mais inclinados para isso. No entanto, a parte Folk está mesmo no nome da banda que de diversas traduções poderá significar ‘magia negra’, ‘bastão mágico’ ou ainda ‘animal perigoso’, ou está ainda nas temáticas (olhando para o titulo da última música). Se houver mais de Folk poderá certamente ter-me escapado, ainda assim importa salientar que não é isso que interessa neste incrível projeto, na minha modesta opinião.


1 “Forgotten Times”

    Canção inicial e tem uma intro que soa imediatamente a Black Metal nórdico, por momentos fiquei com a sensação de estar a ouvir Satyricon ou Watain. É o começo que se pretende quando entramos numa nave com destino ao Black Metal: uma atmosfera profana carregada de mistério, de suspense e de incerteza. Rapidamente é fustigada com um adensar de todos os instrumentos, porém com destaque na bateria, que com um groove cria uma cadência mística que se coaduna perfeitamente com o que vem a seguir. Vem um riff típico no género, com uma tonalidade em escala menor, harmonizando-se entre acordes e arpejos, com uns tremolos que nos fazem vibrar a alma. Começa a turbulência (bastante desejável diga-se de passagem) nesta viagem pelo EP ‘Heritage’. A bateria já nos agarrou neste tema, e as melodias presentes são soberbas.

2 “The Eclipse and the Void”

    A segunda faixa começa a rodar e somos logo atacados por um baixo das profundezas. Um som lá no fundo, com um groove que nos leva à loucura, por cima de um riff clássico que transpira Black Metal, clássico e moderno concomitantemente. Os instrumentos de cordas em simultâneo levam-nos para as profundezas ‘do vazio’, no entanto a bateria altamente rítmica ‘eclipsa’ ainda que por breves momentos, até que se entra na espiral musical tenebrosa, e em conjunto tudo funciona harmoniosamente. A música decorre durante uns elegantes 7 minutos e 5 segundos, e é fácil perder a conta às mudanças rítmicas que ocorrem, criando uma dinâmica altamente interessante que não nos entedia de modo algum. Ainda assim, não nos apercebemos que já passaram os 7 minutos do tema. É a mais bem composta do álbum, e a harmonia é simplesmente sombria, todavia sublime. A viagem vai a meio e até agora se era atmosfera carregada de medo e de escuridão que se ambicionava, pois bem os Gandur conseguiram sem grande esforço. E as melodias são do mais belo que existe, só que soa sempre a profano e a gélido.

3 “Tempus Fugit”

    Ouvem-se relógios, e a introdução é calma e acalma-nos. Começa a cair sobre nós a atmosfera carregada de sentimento lúgubre. Ficamos com a sensação daquilo que o título diz, o tempo foge-nos ou ‘o tempo voa’ como habitualmente empregamos a expressão. Este é talvez o tema mais pesado em termos de sentimento transmitido, e onde a voz na minha opinião consegue mostrar-se mais, e evidenciando assim a sua qualidade no estilo. É também o mais introspetivo e aquele que causa a maior sensação de impotência na condição de ser humano, aquele que nos reduz à insignificância perante um universo colossal; aquele que nos lembra que todos iremos eventualmente ser devorados pelas areias do tempo impiedoso. E esse sentimento está patente nos instrumentos e na própria letra.

4 “Desolation of Ravens”

    Blast beats que martelam inexoravelmente desde o primeiro segundo. Os tremolos são frenéticos e invadem-nos a mente. A voz penetra-nos a alma e faz-nos entrar dentro do tema. Após a primeira dinâmica ouvimos uma mudança na guitarra para o campo melódico, e de repente o jogo é outro, é como se tudo tivesse mudado nesta faixa. É como se tivéssemos sido ressuscitados com esta música, tudo soa a diferente e a melhor. É de facto a cereja no topo do bolo, é de facto a melhor forma de fechar o EP. Ao ouvir o tema sinto que estou a sentir Dissection, num lado mais melódico, ou Mgla num lado mais moderno, nas entrelinhas. A canção que foi single no ano passado, e ao ouvir percebe-se o porquê. É o som menos ‘cru’, e o mais melódico, pelo que mais facilmente captaria os ouvidos de ‘forasteiros’ ao género. Por um lado, há a perdição para as penumbras, por outro lado há todo uma mística que nos apela ao campo mais melodioso, e que com isso nos faz erguer das trevas. Se a segunda canção era a mais bem composta, esta música é sem dúvida a mais trabalhada, a mais bem conseguida e claro a mais melódica. É o ponto alto do ‘Heritage'. Podem ouvir o single no Bandcamp, ou no Youtube , estando a  letra disponível em ambas as plataformas, ou ainda no Spotify.

 

    Numa mistura muito interessante entre o clássico e o moderno, entre o melódico e o menos melódico, vencendo o moderno e melódico na minha opinião. As harmonias criadas bela banda demonstram um bom conhecimento, de cada um dos instrumentos, mas sobretudo de música do geral, e claro são fluentes no género musical. Conseguem fazer de forma exímia, aquilo que qualquer artista musical pretende: transmitir uma mensagem, um sentimento, uma ideia através de vibrações no ar sob a forma de notas musicais. A mensagem em si pode ser resumida em duas palavras ‘harmonia sombria’. No fundo ouvir o álbum acaba por ser um misto de emoções conflituantes, que nos fazem refletir e sentir. Como qualquer obra musical há sempre espaço para melhoria, e para crescimento. A banda terá um longo caminho a percorrer, no entanto, penso que têm neste EP a blueprint de como fazer mais álbuns interessantes, se bem que se tentarem algo totalmente diferente não deverão ter dificuldades em conseguir um trabalho tão belo como este.

    Instrumentalmente, o baixo destaca-se no segundo tema, que não é apenas uma replica grave da guitarra, ou não é abafado pelos pratos da bateria, é de facto um instrumento com identidade e campo musical; as guitarra estão no ponto, criam a atmosfera perfeita com a sua tonalidade menor, e os tremolos são soberbos e enchem-nos de emoções, e a sua dicotomia harmónica cria o esqueleto para o restante grupo; a bateria é do mais rítmica e diversificada, algo que para mim foi uma surpresa, pois muitas vezes sinto que a bateria no género cai um pouco na ‘repetição’, e aqui sente-se uma aura rítmica diferente em cada canção, e diferente dentro de cada tema; a voz é muito boa dentro do género, não havendo muitas oportunidades para testar o seu range, mas também não é isso que se pretende aqui, e o que era pretendido foi cumprido exemplarmente.

    Em termos de faixas, diria que “The Eclipse and the Void” seria ‘o tema’, mas isso antes de ouvir a última “Desolation of Ravens”. Esta faixa tem intrusões melódicas que nos arrepiam da ponta dos cabelos à ponta dos pés. Instrumentalmente está no ponto e na vocalmente está impecável. É certamente o tema que recomendaria a alguém para conhecer a banda, e é o ponto alto do trabalho dos Gandur.

    Resumidamente, o álbum é um 4/5, muito harmonioso e melódico que nos cativa, sem nunca descurando da atmosfera pesada e carregada de medo. Boas dinâmicas, muito bom groove do baixo, uma bateria que se destaca dentro do género, as guitarras que em conjunto iluminam dentro da escuridão auto-criada e a voz que nasceu para o género. Um álbum sensacional dentro do Black Metal nacional.


     Ouçam o álbum na integra no Spotify ou Bandcamp.

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