Review de ‘I Begin’ dos Azzaya

 

    Não há nada mais negro, vil, sombrio e poderoso em simultâneo do que uma mistura equilibrada entre Black e Death Metal. E tudo faz sentido quando ouvimos um álbum que consegue a hercúlea tarefa de nos brindar com tal feito. Os Azzaya conquistaram essa façanha e vão com certeza conquistar os ouvidos dos fãs de ambos os géneros. Atualmente, conta com Gabriel Warmann na voz, André Marmelo na guitarra, Luís Simão no baixo e Francisco Gandum na bateria. Porém no álbum foi Gabriel Warmann que gravou a voz, guitarra, baixo e programou ainda a bateria, com exceção dos trechos de guitarra nos temas “Profane Destruction”, onde foi o André Marmelo, e “Lineage of Greed”, onde foi o Luís Simão.


1 “Chaos Reigns”

    Iniciamos esta viagem com um canto clássico dos monges do Tibete, que se mescla difusamente com um riff em tremolo, criando a atmosfera que se quer no estilo, e que grita Black Metal por todo o lado, e somos, de facto, saudados com um grito. A canção baliza a tónica do restante álbum, é um começo exímio para um trabalho do género.

2 “I Begin”

    A música que dá nome ao álbum. Começa a partir tudo, e não abranda – quem tem coração frágil mais vale passar à frente, pois este tema só nos cria emoções fortes. A guitarra é belíssima, e é “satanicamente batizada” pela bateria, que a acompanha ao altar para casar com um baixo, e o som não descola dos ouvidos. Os versos declamados a meio do tema, fazem-nos lembrar “God of Emptiness” dos Morbid Angel, que adensam a atmosfera pesada sentida, potenciando desse modo todo o seu sabor.

3 “Heathen Sign”

    Acalma um pouco, com aquela intro clássica no Black, bastante atmosférico, lúgubre e misterioso. Que rapidamente nos transposta para dimensões negras com uma bateria dos infernos e um binómio guitarra-baixo que nos fazem pedir por mais, muito mais, em particular pelo baixo. Após 1 minuto e 50 segundos temos uma mudança no riff para algo do reino da música mais melódica, todavia que continua a carregar consigo aquela frieza nórdica, que se coaduna na perfeição, e tão rápido chegou como tão rápido partiu novamente para as terras negras da perdição, loucura e tragédia. Primeira prova de alguns elementos de música progressiva, ainda que subtil, este tipo de dinâmicas mostra um bom conhecimento musical, ou uma excelente intuição musical (cá para nós eu diria que se trata de ambas). Voltam os versos declamadas que tornam tudo tão mais grave, mais sério e mais pesado.

4 “Incantation (Interlude)”

    Um ritmo de bateria dançável, que nos põe logo a mexer, uma guitarra acústica frenética, mas que nos acalma a alma. Acrescenta-se um coro sombrio com uma voz assustadora que nos suspira uns versos. É de facto uma breve pausa, necessária pois até aqui foi só fogo.

5 “Alter of the Black Fire”

    E o fogo volta com um inicio retirado do inferno, com uma guitarra que nos distorce a alma, e uma bateria que nos eleva aos céus negros. É talvez o tema mais sombrio, e aquele que melhor encapsula o subgénero Blackened Death Metal. Ouvem-se nas entrelinhas Behemoth e Belphegor, contudo é Azzaya que brilha no meio de tamanha escuridão sonora.

6 “For Your Undying Light”

    Voltamos à atmosfera linda do Black, com um tremolo melódico que é esmagado violentamente com um shriek típico do género. O tema é sombrio tanto no som como na letra, todavia, há um certo conforto estranho a ouvir o tema, há que uma sensação de catarse, de libertação e de liberdade. Profano seria o melhor adjetivo para categorizar o som ouvido, e há um certo reconforto em sentir isso, em ser-se contrário ao rebanho, em pensar pela própria cabeça - no fundo ser um verdadeiro ser humano, vivo e racional.

7 “Of a Thousand Hellbounds (Interlude)”

    Talvez o tema mais melódico e bonito de todo o álbum. É mais uma breve pausa, só que enquadra-se impecavelmente. Tem um tremolo melódico do mais lindo que já se ouviu, é retirado de um Death Metal Melódico – sublime.

8 “Profane Destruction”

    Um riff inicial mega melódico que nos faz esquecer que estamos a ouvir Blackened Death Metal, mudança abrupta e somos rapidamente relembrados para o que viemos. Forte influência do Death Metal neste tema, com a aplicação de notas mais agudas no meio de um riff bastante pesado, e ainda uns ligeiros breakdowns após as palavras “Rise” (sentado a ouvir a música não pude evitar de abanar a cabeça). A voz passeia-se pelas duas famílias do Metal de uma forma eminente.

9 “Lineage of Greed”

    Uma bateria que comanda o começo, e esta não é deste mundo. É celeremente bafejada com um riff pesado e um canto muito fúnebre. Este é o tema onde o baixo é mais evidente, e faz-nos querer ouvir mais pois o seu tom é perfeito, pena que não tenha sido tão conspícuo nos temas anteriormente tocados. A forma como são declamados os versos quase no final colocam no ar um certe sentimento de desespero, de dor e de mágoa que no fundo adorna aquilo que a música tem vindo a transmitir desde o primeiro acorde.

10 “Black Sun Torture Porn”

   Aquele que na minha opinião é o melhor tema de todo o álbum. Uma abertura fenomenal com bateria, cordas e uma voz retirada dos monges do Tibete que elevam a tensão na atmosfera sonora. Com umas breves pausas em que o riff abranda os BPMs e torna-se mais melódico, para voltar à carga novamente. A forma de cantar do Gabriel Warmann faz-nos lembrar o Nergal tanto no tom como na própria dicção. O riff é estonteante, porém a cereja no topo do bolo é mesmo o baixo que se chega à frente (finalmente) para eclipsar a guitarra, quase no final do tema, e novamente uma surpresa com uma guitarra acústica linda que se harmoniza superiormente à restante panóplia sonora existente. No fundo é o tema mais progressivo de todo o álbum, é a música mais cuidada e mais bem estruturada e composta. Do ponto de vista musical é um mimo. A malta do prog eleva a sobrancelha porque não dá para esconder aquilo que se sente, e a malta do Death e Black até fica espantada por estar a sentir o que sente ao ouvir uma guitarra acústica. 

11 “Satanik Tekvin III (Outro)”

    Mais um tema atmosférico para fechar o álbum, é a melhor forma de terminar esta viagem de pouco mais de 45 minutos. Acaba por ser uma prolongação daquilo que tinha sido apresentado no primeiro álbum da banda. Faz lembrar um pouco o que Quorthon fazia nos Bathory, no final dos seus álbuns.

 

    O álbum ‘I Begin’ tem algo de ressurreição associado, tanto simbólico como de musical. Passou de um projeto internacional, com berço na Turquia para passar a ser um projeto totalmente português, e é caso para dizer que “agora começa”. Há uma clara evolução tanto na composição como na produção. Migrando assim do Black Metal cru, para algo mais empenhado na cena Death/Black ou Blackened Death Metal se preferirmos, ainda assim mais rico. Preserva-se o sentimento macabro e sombrio, com fortes vincos das temáticas satânicas, à qual o Black Metal já nos habituou. É cru, mas é concomitantemente bem trabalhado, sonoramente falando. É progressivo, pois são acrescentados diversos elementos, como guitarras acústicas, riff melódicos, coros e cânticos e até mesmo os versos declamados acrescem qualidade, variedade e fineza. Introduzir este tipo de dinâmicas não é fácil em nenhum género, e no caso tanto do Black como do Death é preciso saber fazê-lo. Sob pena de colocar demasiadas coisas em simultâneo, e com este trabalho a banda demonstra um tremendo conforto (e conhecimento) musical no campo das harmonias. Ou seja, fizeram um balanço naquilo que é a música crua, com uns elementos da música mais progressiva, sem nunca perder a sua identidade, antes pelo contrário, aguçaram-na, e tornaram-na mais rica, e mais profana.

    Algo que fica a desejar é mesmo o baixo (talvez porque eu goste demasiado do timbre do instrumento), sabe-se que neste género musical o baixo acaba por ser eclipsado pela guitarra, ou completamente obliterado pelos blast beats da bateria, no entanto com tanta riqueza musical evidenciada ao longo do álbum pedia-se um pouco mais de baixo. Uns interlúdios de baixo, entre as pausas dos riffs, ou simplesmente um pouco mais de volume na mistura. Talvez no próximo trabalho as minhas preces sejam ouvidas. Não quero ser mal interpretado, pois o álbum está muito bem conseguido, contudo há sempre espaço para melhorias.

    Os Azzaya apresentam-se quase como os Metallica, primeiro lançam um álbum cru, do mais puro que poderia ser feito, do género “Kill ’Em All. Depois amadurecem o seu som, como em “Ride the Lightning”, onde são introduzidas novas dinâmicas, sem nunca perder a sua essência que é o Black Metal. O seu som é mais cuidado, não obstante continua a ser fiel às origens.

    Em suma, o álbum é 4/5, tem tudo no sítio, com espaço para melhoria no baixo. As dinâmicas introduzidas enriquecem o som e elevam-no para patamares bastante interessantes. Um som sólido num misto de Black e Death, que nos faz querer ouvir mais.


    Para conhecer a banda basta dirigirem-se no dia 22 de março (sexta-feira) a Portalegre, onde tocarão ao vivo.

    Ouçam o álbum na integra no Spotify,  no Youtube ou ainda no Bandcamp.


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