Pantera - A tão esperada atuação

     São quase 23:15h e já vê a cara de ansiedade das centenas de metaleiros que se congregaram no Altice Arena, para poderem testemunhar o concerto de Pantera.

    Os festivaleiros estão nervosos, não param de se mexer, na tentativa de se acalmarem; não param de olhar para o palco, na esperança de conseguirem ver algo antes dos restantes. O panorama visto de fora não deixa dúvidas – vai ser uma festa metaleira daquelas que irá deixar memórias nos corações, que perdurarão durante toda a nossa restante existência.



    Ouve-se a gravação da “Regular People (Conceit)” e o povo que enverga as t-shirts pretas e/ou war vests sabe muito bem que já não há retorno. Segue-se “In Heaven” música de Peter Ivers e David Lynch do filme Eraserhead – os mais atentos já sabem que estas 2 músicas são a subida para o relvado, e o apito inicial estará prestes a ser dado.

    E começamos com “A New Level” do incrível álbum Vulgar Display of Power, e os milhares, que convergiram para o festival Evil Live, exteriorizam um misto de emoções: por um lado incredulidade infindável; por outro lado uma felicidade desmensurada. A libertação só pode ser feita veiculada por um incrível mosh pits – é a hora H, foi para isto que treinamos anos a fim. Entra de seguida “Mouth for War” do mesmo disco, Charlie Benante dá tudo na bateria, e o público sabe a letra e mostra a Phil Anselmo, emoções estonteantes entre plateia e palco – cativam-se mutuamente.  “Strength Beyond Strength” do álbum Far Beyond Driven aumenta ainda mais a catarse que todos em conjunto vivam na sala – não dá para não cantar a forte frase “Stronger than All”. Album que foi o 1º de música extrema a atingir o topo na Billboard 200. Ficamos neste magnifico álbum nas próximas 2 músicas – mas e que 2 – “Becoming” e “I’m Broken”. A primeira é uma poderosa canção que fala sobre transformação – podemos ser maltratados, postos de parte e escorraçados, mas quando nos apercebermos das nossas virtudes podemos transcender a algo superior nas nossas próprias vidas, temos apenas de acreditar em nós – está inteiramente dependente de nós. Esta música faz-nos reflectir, e no Evil Live todos refletiram; enquanto, de forma nada moderada, se entregavam a mais uma dose de mosh. A segunda tem um Groove poderosíssimo e de modo pavloviano todos iniciam um headbanging que se funde aceleradamente num mosh pit – todos segregam as energias negativas e frustrações, e purificam-se paulatinamente, e no final desta noite todos teremos renascido.


  

  A banda é ovacionada com um clássico “Allez Allez Pantera Pantera”, e se os artistas ainda conseguiam esconder a emoção, este foi o ponto que a máscara lhes caiu, e não conseguiram ocultar mais aqueles sorrisos rasgados e singelos. Segue a única música do álbum The Great Southern Trendkill a “Suicide Note Pt. II”, quiçá a música com os vocals mais agressivos de todo o setlist. A legião de fãs mostra que sabe curtir qualquer música de Pantera.


   

 “5 Minutes Alone” e os músicos não querem esconder a emoção que esta música lhes traz, ou nosso fosse caricata a história retratada por esta música. Após o 1º refrão Rex Brown põe-se ao lado de Zakk Wylde e descarrega toda a energia no seu baixo, e Zakk acompanha-o, faz o mesmo na guitarra – a sinergia é inequívoca. É-nos dada “This Love” e emoção coletiva é emanada pelos fãs. Todos nós já tivemos uma relação que terminou, e como tal todos nós já nos sentimos mesmo em baixo – esta música encapsula esses sentimos mas metamorfoseia-os em algo transcendental, puramente catártico e talvez terapêutico.



    Seguimos coletivamente para “Yesterday Don’t Mean S#%T” , do álbum Reinventing the Steel, que poderá ser visto por muitos como um lema de vida. O que interessa é o presente, não podemos ficar presos ao passado. Temos de viver a vida no agora, e não viver uma vida já vivida (ao fazermos isso nunca vamos sair desse buraco emocional, dessa prisão tenebrosa). Há que aprender com os erros do passado e avançar com as nossas vidas, e vivencia-la de facto, e não dormirmos ao volante da nossa vida. A loucura iria invadir a sala do Altice Arena – “F#$%&?g Hostile”. Toda gente libertou as feras que tinham guardadas no sua sombra Junguiana – hostilidade foi o prato a ser servido durante esses quase 3min de puro mosh.




    Entra-se na parte “calma” da noite. Um vídeo de compilações de momentos de Dimebag Darrell e Vinnie Paul contendo como som de fundo a épica “Cemetary Gates” – impossível ficar indiferente. No palco vê-se notoriamente e emoção carregada nos semblantes dos músicos – saudade é um sentimento demasiado pesado. Dois músicos incríveis, que deixarão para sempre a sua marca na grande história, não só do metal, mas da música no seu formato mais lato. É-nos oferecida, a seguir a este momento bonito, uma cover de Black Sabbath “Planet Caravan”. Este é o ponto onde não conseguimos ter vocals mais clean, e Phil Anselmo mostra que ainda está para as curvas, ainda que se note algum desgaste. Zakk Wilde tem direito ao seu momento mais “Freestyle” mostrando a sua famosa técnica, com um enorme rol que constituem a sua sonoridade singular.




    Chegou o momento pelo qual todos estávamos aguardando, desde sempre – “Walk”. O hino do Metal; a música que transpira força desde a primeira nota; a canção que todos os metaleiros sabem cantar; E no Altice Arena quem sente a música não consegue ficar indiferente, arrepia só de relembrar. Em uníssono os festivaleiros entregaram a Pantera a entoação da melodia; em conjunto os presentes brindaram aos Pantera toda a letra da canção; com um sincronismo assombroso, porém, sublime - cantaram, dançaram, abanaram a cabeça e entregaram-se ao mosh. Se já arrepia ouvir uma plateia cantar as palavras “Res-pect” quando estamos num outro concerto e essa gigantesca canção da música pesada passa, imaginem agora todo o Altice Arena em peso, a cantar em plenos pulmões, com toda a alma possível e inimaginável – majestoso, para não dizer sem palavras. Não conseguimos parar de tremer daqui para a frente, a emoção transborda por todos e ninguém quer esconder, aliás todos querem mostrar a Pantera o porquê de Portugal ser um local de destaque no grande mapa do metal. A cereja no topo deste bolo metálico, carregado de nostalgia transfigurada em realidade, foi a presença de Max Cavalera e Mike DeLeon dos Soulfly e Wolfgang Van Halen dos Mammoth (bandas que tinham atuado anteriormente nesse dia), também estes músicos entregaram tudo – a mim pareceu-me que também eles estavam a cumprir um sonho.



    Daqui só podíamos continuar com o pé no acelerador desta montanha-russa de emoções. O já conhecido Medley de “Domination” e “Hollow”, onde todos começam a dar os últimos cartuchos, porém concomitantemente se preparam para o fim tão desgostosamente aguardado.

    “We’re taking over this town” e começam as notas da poderosa canção “Cowboys from Hell” apenas mais um hino da música extrema, do álbum homónimo. Todos sabem que esta será muito provavelmente a última do show e por isso há que aproveitar – vamos com tudo, como se não houvesse amanhã, também se não houvesse nada interessava, estamos em êxtase, estamos com uma felicidade ilimitada e incontável. Entra-se numa fase em que cada um está a fazer o que melhor pode para guardar em si a emoção que só a música pode criar: uns fazem crowdsurfing, outros entram num mosh infinito e outros ficam na sua em headbanging imortal. Não há ninguém indiferente – até porque é impossível. Dos mais novos que parecem estar a dar os primeiros passos no metal até aos mais velhos que ainda tiveram a sorte de ver Pantera em Cascais no dia 17 de outubro do grandioso ano de 1994.




    Estamos praticamente a fechar a 1ª metade de 2023, e digo sem qualquer problema que este foi o concerto. Hão de vir bandas formidáveis, no entanto a fasquia está tão elevada… Pantera foi mesmo fenomenal.

    Quando me perguntarem o que estavas a fazer na última música de Pantera em 2023, responderei de forma orgulhosa e realizada: “Mosh pit com muito headbang e deixei-me ir pelo Crowdsurfing com toda a emoção que me era possível, com todos os meus sentidos super apurados de forma a deixar bem gravado na minha memória, os sons, os cheiros, as luzes e as emoções transpiradas por todos”. Eu estive em Pantera a curtir a noite da minha vida. Eu estive em Pantera a cumprir um sonho da minha vida. Eu estive em Pantera a sentir-me vivo, a sentir-me como nunca me tinha sentido. Eu saí de Pantera renascido. Eu saí de Pantera feliz. Eu saí de Pantera a querer que o relógio andasse para trás até às 23:15, mas que tudo o que tinha vivido se mantivesse na minha memória, para que pudesse refazer tudo o que fiz nessa noite, passo por passo – voltar a repetir uma experiência que é irrepetível. Orgulho-me em dizer: “Eu fui a Pantera em 2023, e tu?”

    Confesso que este concerto tem um peso diferente em mim. Pantera é a minha banda. Pantera fez-me crescer. Pantera ajudou-me a obviar obstáculos na minha vida. Pantera motivou-me. Pantera fez de mim, em parte, quem eu sou hoje. Nunca esperei poder vê-los num palco ao vivo, a uns míseros metros. Cumprir este sonho é algo que me arrepia só de relembrar, e poder escrever é algo que eu tinha de o fazer – e nunca me deu tanto prazer escrever algo como este texto me deu. Tentei ser descritivo, mas não exaustivo. As palavras contempladas neste texto não fazem jus às emoções vividas nessa noite – em parte pela minha incapacidade de transpor para palavras, mas principalmente porque, as palavras para descrever tamanha felicidade ainda não foram inventadas. Renasci.

    Não quero falar muito sobre o elefante na sala, todavia deixo apenas a ressalva: quem não quer ver esta "versão" Pantera tudo bem, eu respeito. No entanto, respeitem pessoas como eu, que querem ouvir e vivenciar um bom concerto sem esses pensamentos, que não passam de dogmas que empecilham aquilo que interessa - curtir a música. É obvio que não é a mesma coisa sem aqueles colossos da música, mas também ninguém disse que era suposto ser. E quem foi ao Evil Live, como eu (acho que) sabia perfeitamente disso. Simplesmente foram como eu à procura de uma noite memorável - e acredito que cumpriram o objetivo.

    Termino agradecendo à banda Pantera, ao festival Evil Live e a todos os que trabalharam para que este dia chegasse e corresse como foi. Ajudaram-me a mim e tantos outros irmãos do metal, a cumprirem um sonho de uma vida. Obrigado.


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