Angra na noite mais mágica em Lisboa, dia 12 de Junho de 2023 no RCA

    A noite mais mágica em lisboa é sem dúvida o dia 12 de junho, mas este ano nada teve a ver com as festas de Santo António. A magia teve origem na virtuosidade de 5 incríveis músicos. Quem os escutasse durante aquela magnifica hora e meia que tocaram, diriam mesmo que eram mágicos.

    Os atrasos durante o soundcheck fazem tremer as dezenas de apoiantes da banda, que no fundo começam a temer pelo pior…  Cabos são ligados, cabos são desligados e são novamente ligados. Os microfones são instalados, para de seguida serem retirados, e mais uma vez são acomodados. Os setlists são, como é costume, espalhados pelo palco: 1 no chão, 2 junto à bateria (um cada lado) e ainda mais 1 colado à mesa, que continha águas e uma toalha. No lado esquerdo do palco é visível um copo de vinho, que depois é preenchido com um vinho tinto – já sabemos que Marcelo Barbosa deverá ficar no lado esquerdo do palco. Os problemas de conexão são do lado direito, logo tudo indica que o som da guitarra de Rafael Bittencourt não está como deveria estar. Nota-se que há esforço conjunto entre o Rodrigo Silveira (técnico de som dos Angra) e os técnicos do RCA, no entanto não parecem conseguir resolver o problema.

    Faltam cerca de 10 minutos para as 22h, e o publico já demonstra um nervosismo, uma vez que o concerto já deveria ter iniciado. Começa a tocar na sala do RCA o tema “Tom Sawyer” dos Rush, acalmando os fãs e dando o mote para uma noite de música progressiva (e de power metal claro), e os mais atentos sabem que este costuma ser o pontapé de saída para um grandioso concerto. Porém um balde de água fria caí em cima de todos os presentes… conspicuamente com um marcador são rasuradas músicas dos setlists, ao que parece os atrasos no soundcheck estão a fazer mossa. Mas os Angra estão ansiosos por entrar em palco, e não admira depois da desilusão sofrida em Zamora no dia 9, onde o concerto foi cancelado a uns meros 5minutos do começo. E apesar terem aqui tocado em cerca de 24H, nota-se que lhes soube a pouco, e a sua ansiedade é manifestada alternadamente entre um dedilhar no baixo por Felipe Andreoli, e uns riffs improvisados de Marcelo Barbosa.

    Quando tudo parecia perdido, as luzes apagam-se, são 22h. Vemos que Bruno Valverde sobe para a bateria, e depois começam a entrar Marcelo Barbosa, Rafael Bittencourt e Felipe Andreoli, que se dispõe os três em linha de frente para o público – já não há escapatória os Angra só vão abandonar RCA depois de uma dose de música épica e brilhante. “Newborn Me” é o primeiro tema e eles vão com tudo, e após a introdução da música entra finalmente Fabio Lione com o seu vozeirão. Este é um tema do álbum Secret Garden de 2014, e nesta tour de celebração dos 30 anos da banda, que começou pelo continente americano, mais concretamente no México, tem sido sempre o tema inicial. E que escolha, pois, para quem não conheça a banda esta música mostra a qualidade de cada um dos elementos constituintes da banda, serve quase como um teaser para a restante noite. Seguem diretamente para “Nothing to Say” do grande álbum Holy Land que é um dos álbuns mais vendidos da banda. Fabio Lione quer assegurar-se que o publico está acordado e vira o microfone para as primeiras filas da sala do Bairro de Alvalade, e o público reage de forma efusiva. Há uma breve pausa na música, ouvindo-se apenas o riff pesado de Marcelo Barbosa, o publico vibra imenso contagiando a banda que prosseguem a música com um sorriso nas suas faces.

    “Boa noite, Lisboa”, é assim que Fabio Lione se dirige às dezenas de pessoas que se congregaram no RCA à procura de emoções fortes, que só a música pode socorrer. E vão ser socorridas com a canção “Angels Cry” do famoso homónimo álbum de estreia. Os fãs agarram esta chance e entoam a melodia da música, enquanto a introdução desta é esculpida no ar através dos instrumentos nas mãos destes virtuosos. Em destaque fica o Felipe Andreoli com o seu baixo Ibanez de 6 cordas mostrando uma tremenda técnica de slap and pop. Fabio Lione avisa que a noite vai ter surpresas e alguns convidados, deixando assim uma aura de mistério, que se irá disseminar entre todos durante toda a noite. Prosseguimos para “Travelers of Time” do álbum Ømni estreado em 2018. É aqui que se vê magia acontecer, num acto de pura beleza musical testemunhamos uma sinergia deslumbrante entre os guitarristas e uma coesão rítmica estonteante entre o baixista e o baterista; ambas são quebradas de forma natural pelo tom distintivo da voz singular do vocalista. 

    Olhando para a plateia é indubitável, magia está a acontecer e preenche a alma de todos os presentes. Vêem-se os sorrisos puros a rasgar as faces bafejadas pelo paradoxo emocional vivido: por um lado a incredulidade de estarem no mesmo lugar (apenas a uns míseros centímetros) que aqueles mágicos; por outro lado a euforia contagiante da música que esvoaça, pela atmosfera rica de ritmo, no RCA.

    A banda regala-nos com o primeiro convidado. Nada fazia esperar nada mais nada menos do que André Hernandes, mais conhecido como Zaza. Para quem não saiba trata-se do 3º guitarrista a ter passado na banda (sendo o 1º Bittencourt e o 2º André Linhares), não tendo gravado nenhum álbum pois acabou por sair antes, sendo substituído por Kiko Loureiro. Ainda assim há uma ligação lógica entre Angra e Zaza, e isso é refletido com o carinho com que este é recebido pelos membros. Se a noite em Lisboa já estava a ser memorável, só se iria tornar lendária. E que melhor do que o tema “Lisbon” a ser tocado em Lisboa – havia algo de profético no ar. Zaza demonstrou ao que veio ao ocupar o lugar de Marcelo Barbosa durante os 5min e 13 segundos da sublime canção. Sempre que chegava a parte daquele riff poderoso Zaza transformava o seu semblante e colocava-se numa posição que em tudo faz lembrar o Robert Trujillo, para nos brindar com uma energia pegadiça de tons altamente positivos. Após esta primeira surpresa da noite Marcelo voltou ao seu lado esquerdo do palco e a banda entrega “Late Redemption”. Mais um momento mágico desta vez protagonizado por Fabio e Rafael. Um dueto onde a beleza melódica, dos versos em inglês encadeados nas frases em português, poderá eventualmente apenas ser suplantada pela harmonia instrumental.

    Após este tema, Fabio decidiu aquecer os fãs com uns exercícios de canto, alguns deveras complicados, diga-se de passagem, contudo o público não desiste e entrega ao vocalista uma prestação que genuinamente o impressionou.

    A noite avança e a banda brinda-nos com “Rebirth” de álbum homónimo, “ Winds of Destination” do álbum de 2004 Temple of Shadows e ainda “ Lease of Life” do álbum mais recente da banda denominado por Aqua.

    Encaminhamo-nos para a segunda surpresa da noite. A canção escolhida é “Black Widow’s Web”. Importa referir que o tema original contou com a colaboração de Alissa White-Gluz dos Arch Enemy e da cantora brasileira Sandy. Pois bem para a segunda atuação no RCA os Angra chamaram a cantora Marilia Zangradi Rocha, cantora lírica no registo soprano formada em Canto. Digamos que esteve mais do que à altura do desafio, e é de facto uma cantora para ficarmos atentos, pois o seu talento é mesmo inegável.

    Angra regressa ao álbum Temple of Shadows para nos entregar “Waiting Silence” sequenciada pela balada do álbum Hunters and Prey “Bleeding Heart”. Aqui nesta balada Fabio Lione, pede uma cartola emprestada a um fã presente, e mais uma vez pede a colaboração da plateia. Todos os telemóveis presentes na sala ligaram as lanternas iluminando o palco, que já brilhava de talento desde o primeiro minuto. Para além disso, o público apoia Fabio (não que ele precisasse) durante o refrão carregado de emoção e sentimento, dando-lhe uma tonalidade ainda mais especial. Antes de abandonarem o palco deixaram-nos ainda a potente “Magic Mirror”. Ao nos deixarem é visível as lágrimas (de alegria) nos olhos de alguns dos membros como o exímio Marcelo, e os sorrisos que decoram as faces de todos os membros – a felicidade é incontestável.

    O publico entoa “Allez Allez ANGRA ANGRA” de um modo incessante, incansável e radiante. Os músicos não têm hipótese, são forçados a voltar para nos saudar uma última vez, com mais 2 temas.

    No encore foram tocados de enfiada, “Carry On” do Angels Cry de forma garrida, e a tão esperada e óbvia “Nova Era”. “Carry On” carregada de influência de música clássica ecoando pela sala demonstrando a projeção sensacional da banda. E que melhor forma de fechar se não com “Nova Era”. Esta música para mim é um hino para transformação. Todos nós já tivemos momentos em que foi necessário mudarmos. A mudança é um processo difícil, acima de tudo o ser humano é um animal de hábitos, e mudar esses hábitos é sempre uma verdadeira luta. Mudança em comportamentos que temos, e que por alguma razão os queremos transfigurar noutros. A mudança poderá implicar obviarmos empecilhos nas nossas vidas, e todos nós já tivemos obstáculos que os tivemos de ultrapassar. “Nova Era” para mim encapsula todos os sentimentos experienciados por nós nesses momentos de mudança, seja o que mudança significar. Acaba por ser uma forma de ajudar à catarse necessária; um catalisador para nos alinharmos para os novos passos nas nossas vidas. É uma forma de auto-motivação. E sei que muitos que estão por aí são como eu, e acabam por recorrer à música como uma forma de auto-ajuda. A música tem a capacidade inacreditável de mudar a tónica de como nos sentimos. Esta canção serve-me como motivação para conseguir ultrapassar as adversidades e continuar a desenhar o trajeto com rumo aos objetivos. Por isso sair do RCA após quase 2 horas de pura magia, tendo como ponto final este hino incrível, dá-me uma força incrível para continuar a correr atrás dos meus sonhos.

    O público cantou como eu nunca tinha testemunhado no RCA. E sempre que canta mostra o que sente, demostra aquilo que a música lhes faz sentir, evidencia o quanto a melodia e os versos lhes trazem memórias vividas e pensamentos de coisas ainda não experienciadas. E música é isso mesmo, é muito mais do que um conjunto de notas tocadas num espaço de tempo. Música é paixão; Música é desgosto; Música é alegria; Música é tristeza; Música são os sentimentos possíveis, mas também emoções impossíveis; Musica são possibilidades existentes, mas também sonhar com aquilo que é impossível; Musica são escolhas do passado, mas é acima de tudo caminhos para o futuro; Musica é uma substância cósmica que nos preenche, que nos molda, que nos define e que nos direciona; Musica é a energia vital que nos alimenta interculturalmente; Musica é magia; Musica é Angra.

    Uma noite bela; Uma noite mágica; Uma noite de fogo, ou não fosse Angra a deusa desse elemento na mitologia guarani. Não pude assistir em Zamora, mas valeu a pena a espera. Um setlist de luxo, que deixará muitos com inveja. Presenciar tais músicas a menos de 1 metro de distância é de facto algo maravilhoso e de uma tremenda sorte.

    Muito obrigado, Angra, por me terem deixado vivenciar a noite mais mágica de Lisboa.



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